quinta-feira, 14 de abril de 2016

A noite do meu bem. Ruy Castro.

O meu gosto por biografias e, não é só biografia de pessoas, me levou à compra e à leitura de uma espécie de biografia do samba-canção. O livro é best seller, figurando entre os mais vendidos, desde o seu lançamento. Trata-se de A noite do meu bem. A história e as histórias do samba-canção. A autoria é de Ruy Castro e a Companhia das Letras é a editora. O título é uma referência à musica homônima, de autoria de Dolores Duran.
O belo livro A noite do meu bem, de Ruy Castro.

Vou inverter o processo. Começo com os dois parágrafos finais da obra. "O samba-canção nunca morreu. Transformou-se, abriu-se, libertou-se de velhas rimas e soluções. Ganhou uma liberdade com que Ary, Herivelto e Custódio nunca sonharam. Rejuvenesceu com Tom Jobim, cooptou Francis Hime, Ivan Lins, Dory Caymmi. Mas à sua maneira, discreto, longe das luzes, continuou a ser a grande reserva emocional da música brasileira. É a música a que duas pessoas apaixonadas sempre poderão recorrer quando sentirem o seu amor em perigo.

O samba-canção é uma emergência, uma cirurgia, uma UTI. Sua especialidade é o coração. A diferença é que chega a este pelo ouvido".

O cenário para esta biografia começa pelo Copacabana Palace, em seu Golden Room e o Meia-Noite, para se estender, pela zona da Cinelândia e proximidades, pelo Catete por toda a zona sul do Rio de Janeiro, se centrando na praia de Copacabana, onde quase tudo acontecia. Este cenário tem um apêndice no livro. O nome, a localização e os anos de glória das principais casas que serviram de abrigo para os milionários, ou seriam os biliardários frequentadores. Também num dos apêndices estão os principais cantores e os seus discos, na época, os 78 rotações, com uma música de cada lado. Era o que a tecnologia da época possibilitava. Também existe um mapa com os mais famosos endereços.
O mapa da localização das boates mais famosas.

O luxo era obrigação. O seu acesso era para poucos. Os frequentadores eram praticamente os mesmos, em todas as noites. Os trajes eram a rigor e as colunas sociais insistiam em descrever vestidos, penteados, em suma, a elegância das frequentadoras. Embora a palavra ainda não estava na moda, já se faziam rankings das celebridades. Artistas internacionais se apresentavam com frequência. Um grande número de cantores, cantoras, compositores e algumas compositoras mostravam a alta qualidade de seus trabalhos. O tema, como vimos no parágrafo final do livro, é o coração. O coração em todos os seus estados de espírito, mas geralmente um coração traído e magoado, ainda alimentado pela esperança da reconciliação.

Já que situamos o espaço, vamos fazer o mesmo com o tempo. O livro abre com o Golden Room, no Copacabana Palace em 1938, mas o evento pelo qual o livro começa mesmo, foi o decreto de Dutra, o mais frio de nossos presidentes, que fechava os cassinos, já no início de seu governo, em 1946. Neles o jogo e a música ocupavam os principais espaços. Com o fim dos cassinos, abriu-se o espaço para as boates. Para frequentá-las precisava ter cacife. Desde as pré condições para entrar, marcada por trajes e berço. Os gastos de uma única noite consumiam salários, devidamente no plural. O whisky era a grande bebida. E a beleza da música e a grandeza das orquestras?
Ruy Castro promovendo o seu livro no programa do Jô.

Ruy Castro dá a origem dos frequentadores. Tudo a ver com a nossa história. Os frequentadores seriam os herdeiros dos que se estabeleceram no Rio de Janeiro com a transferência da Corte em 1808. Desde aquele tempo o povo já pagava o principal da conta. A narrativa termina com os anos 1960, e mais especificamente, com a implantação do golpe civil-militar de 1964. Até ali os políticos continuavam sendo os grandes frequentadores, sendo os mais perdulários. Por que será? Dividiam os espaços com ricos comerciantes e industriais emergentes.

Não vou entrar nos detalhes dos cantores, compositores, cronistas sociais que se tornaram famosos. O livro foi escrito para isso. Este é o tema de que se ocupam os 18 capítulos do livro, acompanhados de prólogo e epílogo, uma cançãografia, a primeira existente, ao menos é o que se afirma no livro, uma discografia, filmografia e bibliografia. Também existem dois blocos de fotografias. Um rico acervo.
Depois da leitura do livro, um complemento. Ouvir a coleção da Folha. Raízes da MPB.

Se eu tivesse que destacar um capítulo para, possivelmente, transformá-lo numa aula em algum curso de comunicação, eu escolheria o capítulo de número 17. Nele é narrada a transferência da capital para Brasília, a criação do estado da Guanabara e um Rio que não se esvaziou, que não foi para Brasília. O Rio continuava sendo a capital real do Brasil. Mas o tema mais importante foi a do surgimento da televisão e a mudança dos padrões culturais. Tudo se encolheu. As noites ficaram mais curtas e menos glamourosas, diminuiu a audiência das emissoras de rádio, o grande meio de difusão cultural até então, os cinemas se esvaziaram e o próprio carnaval de rua se transformou e se encolheu. Nostalgia. O resto da história nós conhecemos e não vamos entrar no mérito.
Lupicínio eu nunca abandono. Dele tenho tudo, inclusive o hino do Grêmio.


O sucesso do livro se justifica plenamente. Ruy Castro já é um nome consagrado e a beleza e leveza de seu texto, junto com a qualidade de sua exaustiva pesquisa (o livro tem 510 páginas) merecem plenamente o êxito alcançado. O tema também é apaixonante. Vou complementar a leitura do livro ouvindo alguns dos meus velhos discos, não os 78 rotações, que eu não tenho, mas os de 33 que guardo como relíquia e ainda tenho aparelho para ouvir. Também vou ouvir a coleção da Folha - Raízes da Música Popular Brasileira, meus discos, Cds e DVDs com as músicas de Lupicínio Rodrigues


2 comentários:

  1. li alguns livros do RUI CASTRO são deliciosos

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  2. Sr. Arnaldo, concordo plenamente com o senhor. Ler Ruy Castro é realmente uma delícia. Eu gosto muito das contextualizações que ele faz. Agradeço o seu comentário.

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