quarta-feira, 27 de março de 2013

A Casa do Rio Vermelho. - Zélia Gattai.

Continuando nas minhas leituras de biografias e memórias, agora foi novamente a vez de Zélia Gattai. A minha agradável leitura, dessa vez foi A Casa do Rio Vermelho. Zélia não é de datar muito as suas histórias, mas uma dica lhe escapa e ajuda a nos situar. Foi em 1962 que compraram a casa da Rua Alagoinhas, nº 33,  no bairro do Rio Vermelho, que se tornaria mais tarde, um dos mais famosos endereços de Salvador. A casa existente foi praticamente destruída e foi construída uma casa ampla, com enormes jardins. A casa fora comprada com o dinheiro da venda dos direitos autorais de Gabriela Cravo e Canela pela Metro Goldwin Mayer. Jorge não cansava de contar que a comprara com o dinheiro do imperialismo americano.
O livro de memórias de Zélia Gattai. A Casa do Rio Vermelho. 

A casa se tornou endereço famoso, especialmente pelos amigos que a visitavam. Todo o mundo cultural, especialmente os artistas mais populares da Bahia, passavam constantemente pela casa. Creio que Carybé, entre todos, tenha sido o amigo mais constante. As memórias de Zélia vão basicamente falar, como não poderia ser diferente, sob pena de o título não corresponder, ao que se passou nesta casa, especialmente em seus dias de festa, que não foram poucos.

Uma das coisas que eu mais gostei do livro foi o encontro de anotações antigas por parte de outro de seus grandes amigos Mirabeau Sampaio, sobre uma liga moralista a que pertenceram na sua juventude. A Liga pela Restauração dos Ideais. Como membros desta Liga, comprometiam-se à elevação moral, phisica e intellectual, juravam ler diariamente um capítulo da Imitação de Christo e se submetiam aos deveres de castidade e obediência e aceitavam as proibições de tudo o que servir para deprimir e rebaixar em vez de levantar para os ideaes, como leituras más, conversas degradantes e indecorosas, brigas e contendas. Zélia ainda transcreve trechos de um inflamado discurso pronunciado por um de seus membros, o próprio Jorge, nos idos de 1926. Fantástico, bem de acordo com Jorge. Jorge, ao longo de sua vida não mudou em nada! A Liga era comandada por padres jesuítas (dou o detalhe pela nova fama súbita dos jesuítas com a eleição do papa Francisco).

Jorge deixou de ser militante comunista, ainda nos anos 50. Por isso e pelo seu renome internacional não foi muito perturbado pela ditadura militar. Mas Zélia também se detém na "redentora de 1964".  Dedica-lhe vários posts, como o Golpe de Estado, uma participação sua numa passeata com a filha Paloma e elabora uma lista de cassações feitas pelo regime. Ontem, já próximo da data da "redentora", dei esta lista da Zélia. Hoje, repito a ordem de demissão de seu posto de diplomata, de Vinícius de Moraes: "Afaste-se esse vagabundo". Assinado: Artur da Costa e Silva.

Zélia se desmancha em elogios a Antônio Carlos Magalhães, apresentando-o como um político corajoso e louvando suas iniciativas de levar a cidade ao aeroporto, por modernas avenidas e pelas obras de saneamento de Salvador, como as redes de água e esgoto.Elogios também não faltam para José Sarney, especialmente no que se refere a construção da casa da Fundação Jorge Amado, no Pelourinho. Este fato, o da sua inauguração se deu em 1987, ocasião em que Jorge recepcionou na casa da Rua Alagoinhas, mais de 300 políticos, de todos os matizes, fato considerado como um verdadeiro milagre. O Toninho, para o casal Gattai/Amado, não tinha nada de malvadeza.
A Fundação Jorge Amado, no Pelourinho, em Salvador.

A casa, de tanto receber convidados e não convidados, se tornou incompatível com o ofício de escritor de Jorge. Construíram outra casa numa praia, ainda deserta, nas proximidades de Itapuã. Esta ,em pouco tempo, se tornou atração turística. Eram Ônibus e e mais ônibus passando pela casa e turistas e mais turistas querendo dar um Oh de casa! para o ilustre escritor. Voltaram para a Rua Alagoinhas.

Viagens também estão presentes no livro, como sempre estiveram presentes na vida do casal. Três viagens recebem destaque. Uma ida à Europa. De Portugal aos países escandinavos, com descrições de todas as aventuras e desventuras do casal, acompanhado da filha Paloma, que estava com casamento marcado, ao término dessa viagem. Outra foi para os Estados Unidos, onde Jorge foi professor de uma universidade, por três meses e a última das viagens foi pela Grécia e pelo Mar Negro, viagem da qual praticamente não participou, de tão envolto que estava com o seu livro de memórias Navegação de Cabotagem, que deixara pronto em Paris, mas que recebia capítulos e mais capítulos de acréscimo.

Por falar em memórias Zélia registra um encontro de três figuras ilustres a falarem de memórias que passo a apresentar. Os ilustres são Ilya Ehrenburg, Pablo Neruda e Jorge Amado: "Somos homens de mil histórias, vivemos muito.Vimos coisas que pouca gente viu. Conhecemos povos os mais distantes. Tivemos algumas alegrias e grandes decepções. Aprendemos a conhecer os homens, os falsos e os verdadeiros, a bondade e a maldade. Damos o que temos de melhor, por dias melhores. Temos compromissos com nossos princípios, com nós mesmos. Nunca poderemos escrever um livro de memórias". No entanto os três escreveram.
A casa de Yemanjá, no Rio Vermelho em Salvador, no bairro onde moravam Zélia e Jorge.

Uma última e importante observação. O livro tem uma dedicatória. "Para Jorge que me ensinou a amar a Bahia". O que seria este amor a Bahia? A Bahia é acima de tudo uma síncrise cultural. Ou seria uma síntese?
Uma das coisas mais maravilhosas em Jorge é o seu trato com as questões religiosas. Não é por nada que a emenda da liberdade religiosa no Brasil, foi inscrita por ele, como deputado constituinte, na Constituição de 1946. Digo tudo isso, porque Jorge realmente ensinou a Zélia o seu amor pela Bahia e isso é demonstrado plenamente pelo amor e carinho com que trata as pessoas da cultura do candomblé, respeitosamente presentes em toda a bela obra.




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