terça-feira, 19 de março de 2013

Habemus Papam. 1 - Francisco.

Como sempre, quando analiso fatos, não o faço pelo seu ponto de vista religioso. Sempre a faço, pelo ponto de vista da cultura. Assim, não será diferente, a análise sobre a escolha do novo papa. Vou começar com um toque de humor, que tomo emprestado da coluna de Luiz Fernando Veríssimo, do domingo passado. Diz ele, que a escolha do argentino Bergoglio, foi um pedido que Chaves, visando fortalecer o espírito bolivariano, agora concretizado no Mercosul, levou para Deus. Este, ainda comiserado com a sua morte recente e a sua ida ao céu, resolveu prontamente atender o pedido, só que houve uma dificuldade inicial: ninguém sabia, lá em cima,quem era este Bergoglio.
Roma. A sede de uma das mais poderosas instituições do mundo. Dela emana uma doutrina, que historicamente, pretendeu ser universal.

Humor a parte, voltamos a questão cultural. Gosto muito da definição dada por Freud: "Me refiro a tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de suas condições animais e se distingue da vida dos bichos [...] mostra dois lados ao observador. Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidade humanas e, por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis". Eu ainda costumo dividir esta segunda parte em duas: as instituições em si e os valores e crenças que dão direção ao destino destas instituições.

Costumo ainda dizer que, quando os homens deixaram de se matar e passaram a se xingar, é que eles criaram a cultura, isto é, criaram as condições para conviverem, para  sobreviverem. No meu modo de ver, é dessa forma que deve ser vista a igreja católica, seguramente, uma das principais instituições do mundo,  e que, em muito transcende a questão puramente religiosa, para dar direção ao mundo como um todo. Tudo está impregnado com as suas crenças, com os seus valores e com as suas suas simbolizações. Por terem  forte coerência interna, coerência buscada na junção da razão com a fé, é que eles passaram a ser dominantes e se constituíram numa das mais aceitas visões de mundo. Constituíram uma Weltanschaung, que tem organização, estrutura, atividade arregimentadora e 1,2 bilhões de seguidores, só pelo seu lado católico. É esta visão de mundo, que por meios imagináveis e inimagináveis, moldou a maneira de ser do mundo.
Poder também é grandiosidade, suntuosidade e liturgia. Tão ou mais grandioso como é esta cúpula da Igreja de São Pedro. Será que isso combina com São Francisco.

Como a cultura tornou a convivência possível, por outro lado, ela também tolheu o indivíduo em seus desejos e em suas vontades. Por isso mesmo, simultaneamente, ela nos faz bem, sendo extremamente necessária, e nos faz muito mal, ao nos impor os limites necessários à convivência. Mas aí já entraríamos no campo dos tratados. Aqui vamos firmar bem esta ideia: a cultura, para tornar a convivência possível, estabelece limites, que, por sua vez, também tem um duplo aspecto. Eles podem ser impostos pela força ou podem ser difundidos por uma espécie de sedução, de aceitação voluntária, doutrinas às quais damos a nossa adesão. Para ser bem moderno, nos encantamos com elas. Mas, novamente estamos abrindo espaço para a elaboração de tratados.

A Igreja como uma instituição cultural se esmerou em sua doutrina, procurando arrebanhar com ela, milhares de seguidores e, em certos momentos históricos, se apresentou como única, universal e imutável. Para atingir estes propósitos ela usou, tanto o convencimento, quanto a força. Usou, como se costuma dizer, tanto a cruz, quanto a espada. O que queremos dizer com tudo isso. Que a igreja como uma instituição, que visa tornar a convivência possível, ela cria limites, cria regras e normas, valores e crenças. É, portanto, uma instituição de permanência e não de mudanças. Ela é por natureza conservadora, mantenedora de suas regras, e que para reforçá-las, as afirma, pelo seu poder temporal, como eternas e imutáveis. Ela não é uma instituição vanguardista.

Assim se dissipam, com o novo papado, as expectativas de mudanças revolucionárias. No entanto, a história é dinâmica. Tudo flui e está em movimento. A história tem o seu curso, movido por forças, que mais uma vez nos dão abertura para as mais diferentes teorias. Quem para no tempo, efetivamente, para e perde substância. Perde seguidores. Outras doutrinas ou outras interpretações delas, mais sedutoras, que prometem mais por bem menos, arrebanham  antigos seguidores. Por isso ela, volta e meia é sacudida por  vendadvais renovadores ou avivadores, ou como, no belo dizer de João XXIII, ela precisa se adaptar aos dias de hoje, ela precisa de aggiornamento. É por essa perspectiva que se abrem as possibilidades progressistas de renovação, como o foi, por ocasião do Concílio Vaticano II.

Por enquanto, sob a perspectiva midiática, Francisco está indo bem. A sua simplicidade, gestos em favor dos pobres, a humildade e o seu sorriso franco, marcam muitos pontos em seu favor. Mas, o que creio que o marcou mesmo, foi a escolha do nome. Foi uma dessas coisas, que se os papas anteriores pudessem falar, certamente diriam, mas como eu não pensei nisso! Como eu não tive essa ideia! São Francisco, além de ser o padroeiro de um dos países católicos do mundo, a Itália, é também um dos santos mais queridos da igreja e as causas por ele defendidas, são causas tão ou mais populares, hoje, quanto as foram em seu tempo. 
A magnífica basílica de Assis. Aliás são duas. A outra está num nível de chão inferior. Aí Bergoglio buscou inspiração para a escolha do nome.

Amanhã falaremos do significado da escolha do nome Francisco e sobre os grandes desafios que o esperam. Mas, desde já, as suas primeiras manifestações o credenciam fortemente, como alguém capaz, na condução dessa sua dificílima missão. Sim, uma recomendação. Muito do que conhecemos da vida de São Francisco, o conhecemos através do filme de Franco Zeffirelli. Por isso mesmo, este filme, apesar de seus limites, mas que pela circunstância, - vale muito a pena ser visto.

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