segunda-feira, 18 de março de 2013

Jardim de Inverno. Zélia Gattai.

Zélia Gattai é uma ótima contadora de histórias e como escritora se consagrou como memorialista. Pablo Neruda, o compadre, assim que a via, lhe pedia para contar histórias. Ele as apreciava muito. Em Jardim de Inverno, Zélia conta memórias de exílio, que vão desde o período em que o Partido Comunista é posto na ilegalidade e toda a bancada comunista tem os seus mandatos cassados durante o Governo Dutra. Estamos vivendo o período da Guerra Fria, que para os comunistas brasileiros não foi nem um pouco fria, sofrendo horrores, ou na clandestinidade, ou no exílio. Nos Estados Unidos vivia-se o auge do período do macartismo.
O livro de Memórias de Zélia Gattai. O exílio no castelo de Dobris, nos arredores de Praga. O "mundo livre" persegue as ideias comunistas.

Jorge Amado, com o seu mandato cassado, busca sobrevida em Paris. O partidão lhe dá a missão de denunciar as arbitrariedades do governo Dutra, nos diferentes países europeus. Missão que ele cumpre a risca, em prejuízo de sua carreira de escritor. Zélia, com criança pequena, seguiu ao encontro de Jorge um pouco mais tarde. A criança era João, o primeiro filho do casal. O casal não encontrou sossego, nem mesmo em Paris, seguindo então para Praga, onde foram abrigados no castelo de Dobris, nos arredores de Praga. Eles eram hóspedes da União dos escritores tchecos, proprietários do castelo, assim como inúmeros outros, especialmente, dos países da América latina.

Quando Jorge conta sobre isso, ele destaca os seus contatos com estes escritores e intelectuais e o exílio não parecia ser tão triste, como de fato, - sempre é triste um exílio, - como nos é contado pelas páginas de Zélia. No castelo de Dobris havia um grande jardim e em torno deste jardim, surge o título de Jardim de Inverno. As companhias eram as melhores possíveis. O castelo era frequentado seguidamente por Jan Drda, o presidente da União dos Escritores, por Ilya Ehrenburg, o grande escritor soviético, por Luois Aragón, o francês, e pelos Pablos, o Neruda e o Picasso. Um tema lhes é comum: os horrores da guerra civil espanhola. Estes são apenas os mais conhecidos. O círculo de amigos entre os intelectuais da época é algo invejável.

No castelo de Dobris Jorge exercitava a sua profissão de escritor. Zélia descreve o rigor com que Jorge o fazia. Entre os livros que ele escreve neste período está a trilogia Os Subterrâneos da Liberdade, possivelmente a sua obra mais engajada. Zélia nos dá um detalhe interessante sobre a censura que o partido quis ter sobre o livro. Zélia não fala explicitamente que o livro é este, mas creio, pelas circunstâncias, que seja este. Jorge dedica o livro a este dirigente. Isto se encontra sob um título com o nome de "O capa-preta".Vejamos alguns tópicos da narrativa de Zélia: "Mal chegáramos a Dobris, o telefone chamou Jorge. Diógenes Arruda Câmara, de passagem por Praga, precisava nos falar com urgência sobre assuntos políticos. Pediu a Jorge que, quando fôssemos ao seu encontro para conversar, levasse uma cópia do romance, para que o Partido o lesse".

Zélia descreve o líder do Partidão e a conversa que tiveram. Basicamente lhes pediu muita cautela e que não se metessem em questões internas da Checoslováquia, pois a situação estava muito complicada.Quanto ao livro Zélia continua: "Que novidade era aquela, de Arruda, desejoso de ler os originais do romance? Pela primeira vez ele demonstrava tal interesse. O livro nem estava definitivamente pronto e, a contragosto, Jorge entregou-lhe uma cópia. A direção do partido, coisa das teorias de Jdanov, queria opinar sobre o livro de Jorge, antes que fosse publicado, explicou o dirigente".

Zélia continua a narrativa dizendo que Arruda levara os originais, deixando uma recomendação:"Antes que o Partido opine, você não deve publicar este livro". O livro foi devolvido dois anos depois e Zélia continua: "O manuscrito passara de mão em mão, entre os dirigentes, inclusive de Prestes. Jorge recebeu os originais cheios de anotações nas margens, anotações do próprio punho de Arruda: 'cortar este parágrafo inteiro... cortar os palavrões... excesso de putaria...', e daí por diante. Jorge não levou em consideração a opinião do nosso Jdanov tupiniquim, não tirou uma vírgula sequer".
Zélia com a filha Paloma, nascida na Checoslováquia. O nome Paloma se origina do quadro de Picasso, da pomba como símbolo da paz. Neruda também terá uma filha chamada Paloma.

Zélia volta a citar Arruda, desta vez num tópico intitulado "A volta do capa preta", quando ele requisita a presença de Jorge para um encontro em Berlim, bem no dia em que ela teria a sua filha Paloma. Aliás o nascimento da filha, o seu batizado e o envolvimento da comunidade internacional de intelectuais é impressionante. Paloma é uma referência ao quadro pintado por Picasso, de uma pomba, que era o símbolo usado pelos intelectuais em seu movimento mundial pela paz. Neruda também terá a sua filha chamada de Paloma.

Zélia ainda relata as emoções de Jorge e dela, quando foram receber o Prêmio Stalin da Paz, em 1951 e um longo passeio pela China e Mongólia. Na China aparecem de novo as dúvidas com relação a condução do socialismo, envolvendo o período da chamada revolução cultural, em que muitos amigos do casal, assim como já ocorrera em Praga, são envolvidos. Erros de condução do sistema, mas nunca erros de concepção do sistema. Depois deste passeio o casal volta para Praga e de praga vão para Gênova, onde embarcam no Giulio Cesare, para voltar ao Brasil. O livro terminou de ser escrito em Paris, no ano de 1988.

3 comentários:

  1. Jeniffer, agradeço o comentário elogioso e, está feita a propaganda.

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  2. Tenho uma curiosidade. Qual era a lingua usada entre os escritores para a comunicação ? Já fiz varias pesquisas sobre línguas faladas por Jorge Amado, mas nunca tive resposta.

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  3. João Luiz, não sei responder a tua pergunta. Mas arrisco um palpite que creio que não esteja errado. Eles devem ter falado muito espanhol, pois os seus maiores amigos falavam esta língua. Também creio inimaginável que o Jorge não falasse o inglês. Talvez uma leitura mais atenta e focada do Navegação de cabotagem dê a alguma pista.Assim de memória não recordo. Um abraço, João Luiz.

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