quinta-feira, 7 de março de 2013

Città di Roma. Zélia Gattai.

Quando saí do porto de Gênova, numa excursão que fiz no ano passado, à Grécia e à  Itália, para ir a Porto Fino e Milão escrevi o seguinte: "Uma das cenas que mais me emocionou em toda esta viagem foi a saída de barco, do porto de Gênova. É fácil saber o motivo. Pelo porto de Gênova saíram os milhares de emigrantes italianos que vieram ao Brasil. A maioria abandou a região do Vêneto e saíram da Itália pelo porto de Gênova. Quantos corações partidos dali não saíram. Quantas lágrimas não foram ali derramadas, mas acima de tudo, quantas esperanças não foram ali acalentadas".
Città di Roma é o livro de Zélia Gattai, em que ela busca, na memória, seus nonnos, que embarcaram na Itália, no navio com este nome. Os Gattai eram anarquistas.

Pois bem, acabei de ler de um fôlego só o belo livro de memórias de Zélia Gattai, Città di Roma. Città di Roma era um desses navios que saíram deste porto. Nele navegavam duas famílias que não se conheciam. A família Gattai, da Toscana e anarquistas fervorosos e a família Da Col, do Vêneto, tão fervorosos quanto os Gattai, só que de outra crença, o catolicismo. Ambas tinham um problema em comum. Rezar para que a filha doente de cada uma dessas famílias, ao menos chegasse viva ao Brasil, não ser jogada ao mar e, ali então, ser enterrada. Foi o que aconteceu. Se o Nonno Gattai não rezava, por causa de sua fé anarquista, esta tarefa certamente coube a Dealma, a mãe zelosa.

Depois de chegarem a Santos e cada casal enterrar a sua filha, seguiram para destinos distintos. Enquanto    os Gattai vieram para Palmeira, no Paraná, para a famosa mas efêmera Colônia Cecília, os Da Col foram para Cândido Mota, no interior de São Paulo. Anos depois as famílias se conheceram, se encontrando em São Paulo e, quis o destino que suas vidas se cruzassem. Destas famílias saíram Ernesto e Angelina, os pais de Zélia.

Quando se fala da imigração italiana sempre surge uma grande curiosidade em torno da Colônia Cecília. Pois é. O Nonno Gattai veio para ela. Pouco tempo ficou. Ali até conceberam uma filha brasileira. A mudança no Brasil, de monarquia para república foi fundamental para que a experiência não desse certo. Zélia busca na memória. "A filha brasileira dos Gattai foi criada na Colônia até os dois anos de idade, quando o pai, não vendo mais perspectivas de sucesso, decidiu desistir da experiência". E revela os motivos:

"As terras que haviam sido doadas pelo imperador agora eram cobradas pelos republicanos. Onde arranjar dinheiro para pagar? Os pioneiros, chegados pelo Città di Roma, iam sendo substituídos por novas levas de imigrantes, atraídos pela aventura, gente de toda espécie, até criminosos, foragidos da justiça, dizem ter havido". os Gattai foram para São Paulo. A Colônia Cecília teve vida curta, na região de Palmeira. Inimaginável, uma colônia de anarquistas. Certamente haveria outras razões para o fracasso se não existissem esses.
Zélia Gattai
Zélia Gattai, a grande memorialista brasileira. No livro Città di Roma, as   aventuras e desventuras dos imigrantes italianos no Brasil.


A vida em São Paulo não foi nada fácil. Zélia vai relembrando, complementando basicamente o seu livro anterior Anarquistas Graças a Deus. Chama atenção o fato de as meninas não poderem estudar para além da escola primária. Estudar, para escrever bilhete para os namorados, não fazia sentido. O preparo para o casamento, isto sim era coisa séria e absorvia todas as tarefas. A oficina dos Gattai, o namoro e casamento da meninada, os parentes... vão preenchendo as páginas do livro. Este ganha grande intensidade no seu final.

A velha raiz anarquista da família traz desventuras para o seu Ernesto e, praticamente, o levam a morrer. As perseguições ocorrem após a ditadura Vargas, na caça aos comunistas, depois da Intentona de 1935 e da decretação do Estado Novo, em 1937. Como o anticomunismo serviu, e continua servindo, de pretexto para tanta coisa! O único envolvimento que o seu Ernesto tinha com os comunistas, eram velhos amigos italianos, que de vez em quando o visitavam. Um deles até levou para Zélia um livro de um escritor já muito famoso. Jorge Amado.

As palavras finais do livro são exatamente dedicadas a Jorge. Zélia passa por cima do primeiro casamento e apenas fala de Luiz Carlos, o neto que este casamento deu para a avó Angelina. O mais são conversas de Jorge com Angelina e os netos do casal Jorge e Zélia. Ela conta: "Dona Angelina adorava João Jorge e Paloma, meus filhos (com Jorge) e sentia um carinho muito especial pelo neto Luiz Carlos, filho de meu primeiro casamento, casamento sobre o qual prefiro não falar, não sinto prazer nisso. Trata-se apenas de uma página virada de minha vida". Maiores detalhes do encontro de Jorge com Zélia são dadas por Jorge no Navegação de Cabotagem.

Do livro, terminado em Salvador, em fevereiro de 2000, na famosa casa do Rio Vermelho, quero ainda apresentar a sua belíssima conclusão: "Aos oitenta e três anos, dona de imensa experiência de vida, de alegrias e tristezas, sucessos e decepções, chego a uma conclusão: só morrem, desaparecem de vez, as pessoas que não foram amadas, pessoas que, por terem sido más, não deixaram saudades na terra, não são lembradas. Dessas, mesmo em vida, esqueço seus nomes".


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