Em seu livro de memórias Niemeyer deixa as últimas páginas para falar de sua arquitetura (265 a 276). Ele cita duas frases que certamente foram fundamentais para a sua arte. A primeira é de Heidegger: "A razão é inimiga da imaginação" e a segunda é de Baudelaire: "O inesperado, a irregularidade, a surpresa e o espanto são uma parte essencial e uma característica da beleza". Niemeyer divide a sua arquitetura em cinco grandes momentos: "Em cinco momentos divido a minha arquitetura: primeiro, Pampulha; depois, de Pampulha a Brasília; depois, Brasília; depois ainda, minha atuação no exterior; e, finalmente, os últimos projetos que realizei.
Tendo essas frases por guia e em Le Corbusier o mestre, ele próprio define a sua arquitetura: "E tudo começou quando iniciei os estudos de Pampulha - minha primeira fase - desprezando deliberadamente o ângulo reto tão louvado e a arquitetura racionalista feita de régua e esquadro, para penetrar corajosamente nesse mundo de curvas e formas novas que o concreto armado oferece".
Mesmo após a sua morte o arquiteto é alvo de pesadas críticas. Mesmo na proclamada era do pós- comunismo e do pós-tudo, a indústria do anti-comunismo ainda anda a pleno vapor. O ódio alimenta muitas mentes. Quem quiser ler algo exemplar neste sentido, leia o artigo de Demétrio Magnoli, publicado no Estadão no dia 20.12.2012. Ele fala em arquitetura da destruição e em possibilidades de superfaturamento pelo uso de muito concreto. Que mentes empedernidas. Como devem ser felizes essas pessoas e doce o seu mundo... Deixa para lá..., pois não se dá voz...
Quero me ocupar hoje com o ateu construtor de igrejas, ou melhor, com o arquiteto da catedral de Brasília, por muitos considerada a sua obra mais bela. Entre eles está o nosso conhecido escritor Cristovão Tezza, que em sua coluna semanal na Gazeta do Povo (18.12.2012) assim se manifestou:
"Eu votaria em primeiríssimo plano na catedral de Brasília - visitá-la, anos atrás, foi uma experiência de impacto para mim. Não apenas pelo desenho em si do prédio, de uma leveza feita a lápis, absurdamente simples, que parece encher o espaço sem ocupá-lo; [...] O que impressiona é que tais arte e engenho recriem radicalmente uma catedral - e a catedral é um dos signos mais conservadores da imagística ocidental, como se o peso de uma forma anterior à imaginação determinasse, por princípio, todos os limites do prédio antes mesmo que ele se erga. Pois a catedral de Niemeyer, em sua tranquila leveza, sem nenhuma arrogância, parece recomeçar a ideia do zero pressupondo também uma concepção de homem e de espiritualidade que rompe com a tradição a partir do espaço circular em que nos movemos".
Que beleza e que compreensão do espírito do artista. Catedral e conservadorismo andam juntos na cultura ocidental. E, com certeza, não nos dão uma imagem de leveza. Só um gênio e um ateu poderiam assim concebê-la. Mas vejamos o próprio artista a falar de sua obra:
"A procura da solução diferente me dominava. Na catedral, por exemplo, evitei as soluções usuais, as velhas catedrais escuras, lembrando o pecado. E, ao contrário, fiz escura a galeria de acesso à nave e esta, toda iluminada, toda colorida, voltada com seus belos vitrais transparentes para os espaços infinitos". Olha que coisa fantástica. O libertar-se da ideia de pecado que tão fortemente impregna a cultura ocidental, que, já mesmo antes de nascermos, já pecamos o suficiente para os mais terríveis castigos. É preciso iluminar essa escuridão. Isso é fabuloso. E Niemeyer está feliz com o reconhecimento que recebeu de sua obra pelos próprios padres e em especial do Núncio Apostólico:
"Dos padres sempre tive compreensão e apoio, inclusive do Núncio Apostólico, que, ao visitá-la, não conteve seu entusiasmo: 'Esse arquiteto deve ser um santo para imaginar tão bem essa ligação esplêndida da nave com os céus e o Senhor'".
A nave central, a iluminada, da catedral de Brasília. Fonte Google.
A nave central, a iluminada, da catedral de Brasília. Fonte Google.
Belo post, só achei que faltou fotos da Catedral. Tive que ir no google.
ResponderExcluirA incorporação das fotos atende a sugestão acima.
ResponderExcluirA Catedral tem algum traço indígena em sua arquitetura?
ResponderExcluirLeonardo, não sei te responder. O vão da catedral realmente parece uma grande oca. teríamos que estudar as influências de Le Corbusier sobre a sua arquitetura, coisa para especialistas. Não consta que Niemeyer tivesse grandes contatos com os índios, mas ele era bastante amigo de Darcy Ribeiro, este sim,um grande conhecedor de vários povos indígenas. Darcy exalta muito o cuidado destes povos com a beleza, especialmente na cerâmica, na confecção de seus arcos e flechas e na arte de tecer. Mas é tema para investigação, penetrar na subjetividade de suas concepções. Agradeço a pergunta. Um abraço.
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