quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O Brasil de 1964 estaria se repetindo? 1.

Uma das mais bonitas comparações relativas ao Brasil, que eu vi recentemente, é a do economista Márcio Pochmann, que por muito pouco não se elegeu prefeito de Campinas, na última eleição municipal. Diz ele que o Brasil recente pode ser comparado a um moderno prédio. Nele se sobre, ou de elevador, ou então pelas escadas. O que tem de particular nessa definição? É que se sobe de duas maneiras: uma bem rápida e sem grandes esforços, pelo elevador e, a outra, lenta e com bem maiores dificuldades, pelas escadas. Mas todos estão subindo.

A afirmação contrasta com outros períodos históricos, em que isso não ocorria. Muitos, especialmente os mais antigos, devem estar lembrados da famosa frase de Delfim Netto que dizia que o bolo primeiramente deveria crescer para depois ser distribuído. Isso é, primeiramente, só se sobe de elevador, para depois então, abrir as escadarias. Vocês já viram distribuição de renda desse jeito. Lembrando Marx, vocês já viram distribuir renda com a bolsa do burguês?

Qual era o clima existente no Brasil nos anos anteriores a 1964? Internamente havia um crescimento da renda nacional e esta era, minimamente distribuída, partilhada nacionalmente. Jango quando ministro do trabalho concedeu um reajuste no salário mínimo de 100% e ao longo do governo JK. tivemos o mais alto poder de compras do salário mínimo. O acesso aos bens básicos de consumo estava em expansão, mas chegara ao seu limite. Para ele se expandir e atingir níveis de mercado interno como o das sociedades americana e europeia, reformas de maior profundidade precisariam ser feitas: as tais das reformas de base, reformas estruturais, que constavam no plano trienal, elaboradas por Celso Furtado, no governo Jango. Essas reformas jamais seriam aprovadas pelo Congresso, fato que provocou os movimentos populares de que o povo estaria acima de seu Congresso, de sua casa elaboradora de leis.
Um dos livros fundamentais para a compreensão do ocorrido em 1964. Padre Joseph Comblin. A Ideologia da segurança nacional - O poder Militar na América Latina. Pela Civilização Brasileira.

Externamente imperava a guerra fria e que, internamente, ganhava os contornos da ideologia da segurança nacional, que pregava a necessidade da eterna vigilância contra o perigo da permanente ameaça comunista sobre o povo brasileiro. A indústria da ideologia do anticomunismo estava em alta. Os movimentos populares foram rotulados de perigosíssima agitação subversiva sob o comando de Moscou. O imperialismo americano por sua vez era visto como o amigo que nos ajudava. Quem não se lembra da "Aliança para o progresso"?

Que semelhanças com 1964 temos hoje? Começaria a analisar pelas diferenças. A oposição política não tem nem vozes e nem organização como aquela de 1964. O PSDB não é nenhuma UDN. e o seu líder, Álvaro Dias, está a anos luz do que fora Carlos Lacerda. O comunismo, na sua versão de socialismo real, stalinista, não existe mais. Nem há padres organizando marchas com terços na mão, rezando para que Nossa Senhora de Fátima salve o Brasil do comunismo. Não há mais a bipolaridade da guerra fria e, nem a ideologia de segurança nacional faz mais qualquer sentido. Os níveis de inflação também não são os mesmos daquela época.

Mas quais seriam as semelhanças? Sim elas existem. Existe a articulação de uma onda conservadora, representada pela mídia e pelos partidos políticos de oposição e uma organização moralista que perpassa todas as instituições. Há tentativas de golpe? Creio que elas nunca deixaram de existir mas, no momento, elas tem pouca visibilidade. Mas a questão é mais profunda. Para analisar semelhanças e diferenças deve se olhar para o econômico.

Semelhante ao período anterior a 1964, vivemos um período de distribuição de renda, tímido é verdade, mas inegável. É consistente? Aí residem as dúvidas. O que ocasionou a recente distribuição? Rapidamente poderíamos enunciar alguns fatores: elevação real do poder aquisitivo do salário mínimo, ganhos salariais reais nas negociações por ocasião das datas-base, diminuição das taxas de desemprego, programas assistenciais do governo, mais acesso a educação e acima de tudo a facilidade de acesso aos mecanismos de crédito, especialmente pela via dos empréstimos consignados.

Como vimos em nosso primeiro parágrafo, esses fatores somados possibilitaram a subida de muita gente pelo caminho da escada. A economia brasileira atingiu um novo patamar de consumo, mas existe no ar uma pergunta intrigante. Isso é suficiente para continuar a crescer? Ou estamos diante de um impasse. Para continuar a crescer novas mediadas distributivistas teriam que ser feitas? Haverá reações políticas, caso essas medidas sejam implantadas?
Estão surgindo as primeiras interpretações do que foram os dois governos de Lula. André Singer. Os sentidos do lulismo - reforma gradual e pacto conservador. Pela Companhia das Letras.

Tenho para mim o seguinte: Estamos vivendo um impasse. Para continuar a crescer novas reformas precisam ser feitas e de forma estrutural. Elas estão sendo feitas apenas conjuntural ou pontualmente. Além da continuidade de todas as políticas públicas anteriores, novos esforços estão sendo feitos, como a redução de impostos, redução da tarifa da energia elétrica, desoneração da folha de pagamento... Tudo isso visando  dar para a economia uma maior competitividade.

Um vaticínio. Aprendi com Maquiavel, que com o surgimento do mundo moderno, a política se transformou numa técnica social e que esta, cada vez mais, se submeteu aos interesses da nova economia em surgimento e em expansão. A política passa a agir cada vez mais em função do econômico e por isso mesmo o econômico passa a ser cada vez mais determinante. Não gosto de fazer afirmações, especialmente as mais categóricas. Por isso vou lançar o meu vaticínio sob forma de pergunta: O PT e a atual base aliada ganharão as eleições em 2014 se não houver um substancial crescimento econômico, facilmente perceptível, até lá? Ou mais: esta base se manterá aliada se não houver este crescimento?

Amanhã continuarei esta análise. Tomarei como base a revista Carta Capital de 12 de dezembro de 2012, com a sua reportagem assim intitulada: A velha cara da nova direita - Do Instituto Millenium aos jovens reacionários, o Brasil volta ao passado.

Um comentário:

  1. Muito bom, Pedro Elói. Provocativo e perspecaz, como sempre. Parabéns pelo blog!

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