Publico hoje o texto que saiu no Caderno G da Gazeta do Povo, de sábado, dia 19 de janeiro de 2013. A Gazeta me solicitou este texto e o limitou a, entre três e quatro mil caracteres, o que eu fiz. O texto foi publicado na íntegra. Aqui o link para a matéria toda.
A matéria do Caderno G.
A matéria do Caderno G.
Paulo Freire: Entre a Utopia e a Transcendência.
Creio que o renovado
interesse em torno de Paulo Freire e de seu legado se deve a conjugação de dois
fatores: a recente lei que o declara Patrono da Educação Brasileira (Lei 12.612
– 2012) e o recrudescimento de uma nova onda conservadora no Brasil.
O que tem a
obra de Freire de tão provocadora, diante da qual ninguém permanece indiferente?
É o que procuraremos ver neste pequeno texto.
Freire nasce em Recife em 1921. Conhecerá a
realidade nordestina, agravada pela da crise de 1929. O problema que mais o
toca é o do analfabetismo. De um total de 25 milhões de habitantes no nordeste,
15 milhões padecem desta chaga. As oligarquias tiram proveito da situação.
Advogado, ele abandona
a profissão já na primeira causa. A urgência da questão educacional concentra
toda sua energia e vitalidade. Empreende toda uma luta contra o analfabetismo,
que tem em Angicos – RN. – seu primeiro marco e símbolo. Não pretendia
transformar analfabetos em eleitores, acusação recebida já nesse tempo. Queria
transformar analfabetos em ativos sujeitos históricos, construtores de uma
realidade que não lhes fosse tão opressiva.
Sua obra é sustentada numa concepção
filosófica, que move toda a estrutura de sua pedagogia. A primeira delas é o processo
de conscientização. A ela chega pelos pensadores do ISEB, gigantes na
interpretação da realidade brasileira. D. Hélder Câmara popularizará este
conceito. O cristianismo, pela via da teologia da libertação, será outra de
suas marcas.
Mas qual é o
significado de conscientização? Freire responde: “A conscientização não está
baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; [...] Ao
contrário, está baseada na relação consciência-mundo.”
O que vem a
ser esta relação consciência-mundo? Que o mundo não é uma realidade estática e
imutável, construída por agentes naturais ou sobrenaturais, mas uma construção
histórica, portanto, uma construção humana. Explico: está na mão (trabalho) e
na mente (pensamento), não separadas, a construção da realidade em que vivemos.
E isso ocorrerá na exata medida em que deixamos de ser passivos, nos tornando,
partícipes e artífices da realidade. Está aí outra herança do educador, oriunda
da filosofia de Marx, especialmente de A
Ideologia Alemã. Aí está a parte mais explosiva de sua obra: o ser humano
constrói, ele mesmo, a realidade e não as elites e as tradicionais invocações à
vontade divina.
Esta parte
explosiva forma o conteúdo de sua obra e é expressa em títulos como: Educação como Prática da Liberdade, Pedagogia
do Oprimido, Conscientização e Pedagogia da Esperança. A outra parte
explosiva se refere ao método.
Aí se soma a
maiêutica socrática, do parto das ideias por perguntas/problema, com a
curiosidade da mente, ávida na investigação e compreensão. Isso se confronta
com o método tradicional de transmissão de valores e de conformação à realidade,
pelos métodos catequéticos e conteúdistas que, antes de qualquer curiosidade,
já pregam valores, sempre eternos, imutáveis e universais e, em assim sendo,
inquestionáveis. Intervenção na realidade é agitação, é subversão.
Outra herança é a da dialética, vista como
contradição/superação. A realidade tem dentro de si, sua contradição. A
percepção da contradição é a tomada de consciência e esta leva à ação para a
superação.
Em síntese,
poderíamos dizer que a pedagogia freireana faz acreditar que vivemos numa
realidade construída por nós mesmos, mas, isso só será percebido se tomarmos
consciência de que ela pode ser mudada, por ser o próprio homem, o agente desta
construção. Creio ser desnecessário explicitar porque ele produz tantos e tão
profundos ódios em todos aqueles que querem uma sociedade intransitiva, que não
transita e que quer a manutenção de privilégios. Outras críticas procedem de
teorias economicistas e produtivistas de educação.
Ouvi
pessoalmente de Paulo Freire as seguintes palavras: A denúncia precede o
anúncio. Não existe anúncio sem denúncia. A denúncia é a percepção da realidade
injusta em que vivemos e o anúncio é a profecia de um novo tempo, a ser construído
pelos sujeitos que emergirão de seu modelo pedagógico.
O anúncio, além do novo tempo, nos anuncia
também a transcendência, a impermanência. Por sermos limitados e movidos pela
curiosidade, trans – ascenderemos,
sempre na busca do aperfeiçoamento máximo. A utopia e a transcendência sempre
ocuparão o espaço do nosso horizonte.
Pedro
Elói Rech.
Mestre em História e Filosofia da Educação.
PUC-SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.