Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em outubro de 1922. Jorge Amado afirma, categoricamente, que Montes Claros não fica em Minas Gerais, - mas sim, na Bahia. Darcy explica: a cidade estava muito mais ligada à Bahia do que a Minas Gerais. Isso naquele tempo.
Existe algo intrigante em mim e que me acompanha a muito tempo. Eu sofro de uma sadia curiosidade em torno da formação dos gênios. Como eles se formaram e quais os caminhos que eles percorreram para chegarem a essa condição? Agora eu estou debruçado sobre As Confissões, não as de santo Agostinho, mas as de Darcy Ribeiro. A resposta à minha curiosidade remete aos anos de formação, aos anos de menino, destes futuros gênios. Darcy nos conta de sua formação muito explicitamente, numa espécie de post (ainda vou falar disso) no livro, com um título: destino, que ele abre assim: "Sei bem que não nasci em branco".
As belas Confissões de Darcy Ribeiro. Companhia de Bolso.
As belas Confissões de Darcy Ribeiro. Companhia de Bolso.
Falando de Montes Claros, a sua MONC, das vertentes familiares, das duas redes de genes, a dos Ribeiro (gente poderosa) e a dos Silveira, que constituíram a sua persona, Darcy vai explicitando como "resultei ser eu mesmo, menos por opção que por pendores inelutáveis e por propensões a que obedeci". Vamos então ver o que aconteceu com esse menino de Montes Claros.
Pus agora recentemente a frase de Einstein, na abertura deste meu blog: "A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original", com a exata intenção de flagrar, o quanto de bloqueios existem, para que este abrir-se esteja hermeticamente fechado. Darcy fala bastante sobre isso, mas fala também das primeiras janelas que se abriram em sua vida, para lhe mostrar o mundo. O abrir dessas janelas se deu com a literatura e com o cinema como veremos: "Algumas janelas prodigiosas se abriram à minha frente, mostrando o mundo. A primeira delas foi a literatura. Li os livros que andavam de mão em mão em Montes Claros".
Mas o que Darcy lia e como teve acesso a esses livros? Ele responde: "Romances de muitos volumes ou de muitíssimas páginas: Alexandre Dumas, Michel Zevaco, Ponson du Terrail, Victor Hugo, Rocambole, tantos outros" e continua: "O que me eriçou mesmo, me lembro bem, os nervos do meu espírito, inclusive me politizou, foi a leitura de Os Miseráveis, que reli incansável. Vivi anos encarnado em Gavroche. Antes era D'Artagan. Muito depois, já em Belô, passei a ser Jean Christophe (Agora uma confissão meio envergonhada minha: procurei e achei, - Jean Christophe é um romance de Romain Rolland, em dez volumes, inspirado na vida de Beethoven).
Também relata as suas primeiras leituras em espanhol, Flores del Fango, de Vargas Vila, e uma revista argentina, Pan, que lhe chegou por forasteiros hospedados na cidade, pela qual tomou conhecimento da guerra civil espanhola. Também a literatura local o tocou, a poesia que cantava "os rinchados dos carros de boi, a beleza prateada da lua cheia e os amores do sertão". MONC também tinha os seus Catulo.
Vejam agora como se abriu a segunda janela: "Outra janela esplendorosa foi o cinema, que me ofertou todos os prodígios que o mundo oferecia. Nele vi com meus olhos como a vida pode variar, as mil formas de ser do amor, da desgraça, do drama, do gozo e da dor. Aquela parede vagabunda com sua tela, arrombada pelas luzes e sombras ordinárias, se transmutava, recuando no tempo e no espaço, para versar e mostrar os temas mais desencontrados e mais encantadores". E agora vejam que bonito, os impactos destas janelas abertas sobre o menino. "O rapazinho ingênuo que eu era ali ficava, olhos abertos de pasmo, diante de seres que se tornavam mais importantes para mim que qualquer pessoa vivente de ao redor".
E vejam agora, o que o menino via: "Carlitos, O Gordo e o Magro, os heróis de faroeste, a dramática Greta Garbo, a boazuda Mae West, peitudíssima. Como não contá-la entre meus amores mais amados?" E vejam agora as duas, a literatura e o cinema agindo sobre a mente do menino que crescia: " Minha máquina de pensar foi montada com esses componentes. A vida mesma que observava ali, ao meu redor, espiando, bisbilhotando, era muito menos expressiva que a literatura me dando, revivida em palavras, destinos muito mais impressionantes. O cinema exibindo beldades, feiuras, sublimidades, horrores, aventuras, amores, enredos mil vezes mais vivos e cativantes que os que aconteciam na minha pobre MOC. Tudo misturado na minha imaginação para ser meu retrato do mundo e do humano".
É bonito demais para não transcrever mais um parágrafo: "Sem a livralhada de tio Plínio eu não seria quem sou. Livros são os tijolos de que são feitos os intelectuais. Sem eles, eu teria sido o fazendeirão que Filomeno insinuava. Outro gênero qualquer de gente. Bem diferente do que vim a ser. Um consumidor insaciável de papel impresso, um escrevedor que não resiste nem mesmo ao desejo de converter-se em livro nesta biografia". "Leitura é a carne do meu espírito"... "Meu mundo é o da escritura, das ideias e da representação. Nisso é que eu realmente vivo, apenas saindo em fugas para atender a urgências fisiológicas ou mercar palavras com outras pessoas."
Mesmo assim, vejam o que ele diz de si, quando chega em Belo Horizonte, moço de dezessete anos: "Ia incompleto e muito mal-acabado, sobretudo ingênuo, sem ter a menor noção disso era um meninão boboca de pequena cidade do interior, precisando ser desfeito para ser refeito".
Amanhã veremos a formação universitária do menino. Nasce já neste período a concepção de universidade em Darcy. Está aí a gênese da futura universidade de Brasília.
Também relata as suas primeiras leituras em espanhol, Flores del Fango, de Vargas Vila, e uma revista argentina, Pan, que lhe chegou por forasteiros hospedados na cidade, pela qual tomou conhecimento da guerra civil espanhola. Também a literatura local o tocou, a poesia que cantava "os rinchados dos carros de boi, a beleza prateada da lua cheia e os amores do sertão". MONC também tinha os seus Catulo.
Vejam agora como se abriu a segunda janela: "Outra janela esplendorosa foi o cinema, que me ofertou todos os prodígios que o mundo oferecia. Nele vi com meus olhos como a vida pode variar, as mil formas de ser do amor, da desgraça, do drama, do gozo e da dor. Aquela parede vagabunda com sua tela, arrombada pelas luzes e sombras ordinárias, se transmutava, recuando no tempo e no espaço, para versar e mostrar os temas mais desencontrados e mais encantadores". E agora vejam que bonito, os impactos destas janelas abertas sobre o menino. "O rapazinho ingênuo que eu era ali ficava, olhos abertos de pasmo, diante de seres que se tornavam mais importantes para mim que qualquer pessoa vivente de ao redor".
E vejam agora, o que o menino via: "Carlitos, O Gordo e o Magro, os heróis de faroeste, a dramática Greta Garbo, a boazuda Mae West, peitudíssima. Como não contá-la entre meus amores mais amados?" E vejam agora as duas, a literatura e o cinema agindo sobre a mente do menino que crescia: " Minha máquina de pensar foi montada com esses componentes. A vida mesma que observava ali, ao meu redor, espiando, bisbilhotando, era muito menos expressiva que a literatura me dando, revivida em palavras, destinos muito mais impressionantes. O cinema exibindo beldades, feiuras, sublimidades, horrores, aventuras, amores, enredos mil vezes mais vivos e cativantes que os que aconteciam na minha pobre MOC. Tudo misturado na minha imaginação para ser meu retrato do mundo e do humano".
É bonito demais para não transcrever mais um parágrafo: "Sem a livralhada de tio Plínio eu não seria quem sou. Livros são os tijolos de que são feitos os intelectuais. Sem eles, eu teria sido o fazendeirão que Filomeno insinuava. Outro gênero qualquer de gente. Bem diferente do que vim a ser. Um consumidor insaciável de papel impresso, um escrevedor que não resiste nem mesmo ao desejo de converter-se em livro nesta biografia". "Leitura é a carne do meu espírito"... "Meu mundo é o da escritura, das ideias e da representação. Nisso é que eu realmente vivo, apenas saindo em fugas para atender a urgências fisiológicas ou mercar palavras com outras pessoas."
Mesmo assim, vejam o que ele diz de si, quando chega em Belo Horizonte, moço de dezessete anos: "Ia incompleto e muito mal-acabado, sobretudo ingênuo, sem ter a menor noção disso era um meninão boboca de pequena cidade do interior, precisando ser desfeito para ser refeito".
Amanhã veremos a formação universitária do menino. Nasce já neste período a concepção de universidade em Darcy. Está aí a gênese da futura universidade de Brasília.
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