Não é habitual um papa renunciar. É um fato raríssimo na história. Creio que todos buscam interpretações para este fato, da renúncia de Bento XVI. No caso brasileiro, um dos primeiros nomes que vem à lembrança, para a ilustração do fato é o de Leonardo Boff, em função da figura polêmica que ele representa e pelo convívio paradoxal que ele teve, tanto com o professor, quanto com o cardeal Ratzinger. Duas figuras diferentes, em sua opinião. Buscamos em suas entrevistas mais recentes, algo esclarecedor a respeito.
O teólogo Leonardo Boff comenta o pontificado de Bento XVI e a sua renúncia.
As entrevistas mais recentes foram dadas à Agência Brasil e à Folha de S.Paulo. Ele reclamou bastante da Folha, pelo fato de ela não ter aproveitado quase nada de sua entrevista e por isso mesmo resolveu publicá-la na íntegra. As duas entrevistas se complementam.
Ao falar do professor Ratzinger, ele o elogia muito. Gentil, inteligente e amigo são alguns dos adjetivos que aplica a ele. Destaca a sua qualidade como teólogo, bem como o seu desapego, como o demonstra o fato de doar metade de seu salário como professor, para os seus alunos da América Latina e da África. Pessoalmente, lembra o fato de que ele recebeu ajuda de um fundo, com a mediação do professor, de 14 mil marcos, para que pudesse publicar a sua tese.
A tonalidade da conversa, porém muda, quando fala do cardeal Ratzinger e do papa Bento VI. Os adjetivos passam a ser bem outros: autoritário, centralizador e sem misericórdia para quem discordasse de seu ponto de vista doutrinário.
Boff comenta que no papado de João Paulo II ele teve influência decisiva. Os dois moldaram a igreja em seu perfil conservador. Para dentro impuseram a rigidez e a repressão. Mais de cem teólogos foram punidos. Foram rígidos na doutrina, inflexíveis na moral sexual, na contracepção e com relação às questões homo-afetivas. Para fora apresentaram-se expansivos e procuraram o diálogo com as crianças e com os jovens. João Paulo II tinha carisma e gosto para fazer isso. Já Bento XVI, por sua profunda timidez, não tinha nenhuma familiaridade com as massas.
Os problemas de Boff com a Igreja iniciaram em 1984, quando foi solicitado a comparecer ao Vaticano, perante a Congregação da Doutrina da Fé, ex inquisição, presidida pelo cardeal Ratzinger, a dar explicações sobre o seu livro Igreja Carisma e Poder. Por três horas se sentou na cadeira, onde antes já haviam se sentado Leonardo da Vinci e Giordano Bruno, para ser inquirido. A pena que recebeu foi o chamado silêncio obsequioso, pelo qual ficava proibido de falar, escrever e publicar livros e de dar aulas. Foi um dos cem teólogos punidos.
A sua pena foi posteriormente anulada com a mediação do cardeal Arns. Deixou o sacerdócio, mas não rompeu com a Igreja. Continuou sendo professor na UERJ.
Com relação ao pontificado de Bento XVI faz a seguinte crítica: "Acho que o projeto dele era uma reforma da Igreja ao estilo do passado, voltada para dentro e tendo como objetivo político a reevangelização da Europa. Nós, fora de lá, consideramos este projeto como ineficaz e como opção pelos ricos. Projeto equivocado. Não é um papa que deixará marcas na história".
Leonardo Boff analisa os problemas enfrentados por Bento XVI ao longo de seu papado e comenta a sua renúncia.
Aponta como maiores dificuldades em seu papado a sua relação com a modernidade, no encontro com as outras culturas e religiões. Manteve o catolicismo como o único porta voz da verdade, o que em muito dificultou as suas relações com os judeus e com os muçulmanos. Outro problema remonta aos tempos de cardeal, aponta Boff, quando ele procurava interferir para que padres pedófilos, não fossem levados a julgamento nos tribunais civis. Atuou como cúmplice desses crimes.
Terminou cercado de inimigos por todos os lados, dos quais tinha que se defender, considera ainda o teólogo Leonardo Boff. Ele também fala de sua renúncia, num juízo brando: "Eu tinha certeza de que um dia, ele aproveitaria alguma ocasião sensata, como os limites físicos de sua saúde e menor vigor mental para renunciar. Embora mostrou-se um papa autoritário, não era apegado ao cargo de papa".
Também comenta sobre o futuro papa: "O perfil do próximo papa não deveria ser um homem do poder e da instituição. Onde há poder inexiste amor e desaparece a misericórdia. Deveria ser um pastor, próximo dos fiéis e de todos os seres humanos, pouco importa a situação moral, étnica e política".
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