quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Sobre roteiros adaptados para o cinema e para a televisão.

Uma das mais belas páginas do livro Navegação de Cabotagem, o livro de memórias de Jorge Amado é aquela em que ele fala sobre a adaptação de seus romances para o cinema, rádio, teatro e televisão, já que os seus romances foram transformados em cenários para filmes, em peças para o teatro, novelas e séries para a TV e até para histórias em quadrinhos.
Os Miseráveis : poster
Um caso típico de adaptação. Do livro para um musical e do musical para o cinema. O que Victor Hugo teria a dizer?

Creio ser um belo momento para trazer esta página ao presente, neste momento, em que vemos tanta literatura no cinema, concorrendo inclusive a inúmeros prêmios. Creio que o caso que mais chama a atenção é o musical Os Miseráveis do gênio inigualável e inalcançável de Victor Hugo. Poucos são os roteiros originais que vemos nas telas. Poucos são os gênios que brincam de inventar ou transmutar realidades e a partir dela bolar novas histórias. Quentin Tarantino é um exemplo claro disso com o seu Django livre. Outros  conseguem coisas mais geniais ainda, que conseguem produzir tramas a partir da mais terrível realidade cotidiana. É o caso de Haneke e o seu filme Amor. Roteiros originais.

Mas voltamos a Jorge Amado. O que ele pensa disso. É um texto primoroso e que enseja belas reflexões. Primeiro ele se posiciona explicitamente contra, depois justifica. Vejamos porque é contra: "A adaptação de um romance para qualquer outro meio de comunicação é sempre uma violência contra o autor. Por melhor que seja a adaptação, haverá sempre algo fundamental que se modifica, diminui ou cresce, se deturpa ao ser transferido das páginas do livro para o palco ou para as telas". E explica: "É natural que assim suceda. Ao escrever um romance realizo trabalho artesanal, sou um artesão tentando alcançar a arte literária. Quando inicio um livro somos apenas eu, a máquina de escrever, o papel em branco". E o que acontece na transposição? Jorge dá a entender que esta produção artesanal vira cultura de massa.

Nas páginas 201 e202, deste seu livro de memórias, Jorge Amado fala da adaptação de seus livros para o cinema e para a televisão.

"Esse caráter artesanal desaparece quando o romance é adaptado: cinema, rádio, televisão são o oposto do artesanato, são indústria e comércio, o produto a ser oferecido, a ser visto ou ouvido (e não lido) deve corresponder às exigências do mercado. [...] da realização de um filme participa pequena multidão; o produtor, o diretor, o cenarista e o cenógrafo, os diretores de fotografia e de som, o compositor, os músicos, os intérpretes, os técnicos de toda espécie, de iluminação, de vestuário e bote gente nisso, um nunca acabar. Na televisão acresce a audiência, o público,os telespectadores que, sentados ante os vídeos assistem os episódios da novela e sobre ela, sobre a ahistória e os personagens exercem influência decisiva: um simples figurante se cai no gosto do público pode passar a personagem principal. O autor do romance sente-se agredido a cada instante, de repente não mais reconhece sua obra".

A seguir estabelece três motivos pelos quais permite a adaptação de suas obras: Primeiramente porque algo da obra efetivamente sobra: "algo permanece, se reafirma, quase sempre o essencial". Em segundo lugar ele alega o alcance. 20.000 livros são um best-seller. "Enquanto isso os filmes, as novelas e séries de televisão são vistos por milhões de espectadores, incluindo milhares e milhares de analfabetos sem possibilidade de acesso ao livro". O terceiro motivo ele acrescenta por uma questão de honestidade e por ser substancial: "Sou um escritor que vive exclusivamente dos direitos autorais. [...] Não tenho outra fonte renda".

Deixa ainda duas recomendações. Primeiro: receber os direitos autorais, sempre adiantados, e cobrando o mais caro possível e, segundo: nunca acompanhar os trabalhos de adaptação e nem mesmo vê-los, isso para não se aborrecer.

Eu, da minha parte, acrescentaria um quarto motivo para permitir as adaptações. A televisão ou o cinema também leva para a leitura. A curiosidade que o cinema ou a televisão provocam em torno da obra, levam diretamente para a sua leitura. É bom lembrar o enorme sucesso de Jorge Amado, tanto no cinema, quanto na televisão, mas concordo inteiramente com ele, quanto ao trabalho artesal do autor, ao escrever o livro e do leitor ao lê-lo.

2 comentários:

  1. Oi, Pedro.
    Sou estudante de teatro e tenho uma dúvida sobre direitos autorais, que espero que o senhor possa me ajudar.
    Estou querendo escrever o roteiro para minha próxima peça, e se eu adaptar um filme estrangeiro dos anos 70 traz problemas com direitos autorais?
    P.S: Se caso estiver curioso o filme é Funny Girl com a Barbra Streisand.
    Ficaria muito feliz se o senhor poder me ajudar. Obrigada.

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  2. Oi Giovana. Vou dar uma verificada no filme. Parabéns por ter escolhido a área de cultura para o seu trabalho. Quanto a sua pergunta, não tenho a resposta. Creio que a consulta deva ser dirigida a um advogado especializado em direitos autorais. Mas, autorias dos anos 1970 certamente geram direitos, sim.

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