quarta-feira, 20 de março de 2013

Habemus Papam. 2 - Francisco.

Quando vi os noticiários que envolveram a sucessão papal e a escolha do novo papa, confesso que fiquei com dó de Bento XVI. Francisco é tão exaltado, ao ponto de parecer, que o seu antecessor não possuía  nenhuma virtude. Pretendo hoje fazer uma análise sobre as primeiras impressões deixadas por Francisco, mas, acima de tudo, refletir um pouco sobre a escolha do nome Francisco e suas simbolizações  e os principais desafios que o esperam
Tropeço Papa Francisco (Foto: Reprodução/TV Globo)Papa tropeçou quando foi se levantar de trono na
audiência (Foto: Reprodução/TV Globo). (Que seja o seu tropeço único).

Em primeiro lugar, o que o poderia desabonar? Foram levantadas questões de envolvimento com a ditadura militar argentina e que teria se desentendido com o casal Kirchner, em função da aprovação do casamento gay pelo Estado argentino. Quanto ao envolvimento com os militares, ele recebeu a absolvição de Adolfo Pérez Esquivel, um ativista dos direitos humanos, e Nobel da Paz. Eu, da minha parte, dou crédito ao laureado Nobel. Quanto ao casamento gay, ele tem todo o direito de ser contra. É o que prega a doutrina da igreja. O que ele não pode, em função de suas crenças, é pregar a homofobia. E isso ele não fez. Como postei ontem, a igreja católica é uma instituição conservadora. Não é uma instituição de vanguarda. Está absolvido, portanto, das acusações. Tem também falas antigas, condenando o uso de preservativos.

Quanto ao gol por ele marcado, com a escolha do nome de Francisco, da minha parte, aprovação mil. Não sei, no entanto, se as instituições conservadoras dentro do catolicismo tem a mesma posição. O papa preside uma instituição de poder e, enquanto poder, os ideais de Francisco não combinam com o seu exercício. O poder exige pompa e duras tomadas de decisão. São Francisco viveu entre 1182 e 1226. Seu pai era um rico comerciante, que bendizia a guerra, ou as guerras - as cruzadas, ocasião em que o povo vendia tudo por quase nada e, ele foi só acumulando riquezas, sob as bênçãos da igreja. Esta riqueza não lhe inspirou sentimentos de humanidade, sentimento este incompatível com a acumulação. Somente a relação humana gera sensibilidade.
Os meus S. Francisco. Ele com o lobo de Gubbio, símbolo de entendimento até com animais ferozes e um da foz do rio São Francisco.

O pai o amaldiçoa, o bispo da cidade o condena e Francisco quer saber do papa, - "por que - por que estou errado"? A corte romana o condena. A sua sorte foi o papa Inocêncio III., que o acolheu. Fosse outro, certamente teríamos tido um Lutero, uns 300 anos antes do próprio Lutero. O envolvimento dos franciscanos com a pobreza e os pobres nunca foi bem assimilada pelas outras ordens religiosas. Francisco via os alvores do surgimento do capitalismo e que, pelo que consta, este sistema econômico só arrefeceu o seu espírito ao longo do tempo. E existem organizações no interior do cristianismo, muito ricas e muito poderosas. O Evangelho de S. Mateus perturbou Francisco, como perturbou a muitos. Até consta que Pasolini, comunista e ateu, fez o seu Evangelho Segundo São Mateus, como uma homenagem ao papa João XXIII. Tenho, portanto, dúvidas sobre a aceitação unânime do nome de Francisco, por tudo o que ele simboliza.

Frei Betto tem belas reflexões sobre a cruz como o símbolo maior do catolicismo. Ele se interroga, inclusive, se o pão não seria um símbolo de maior significado e consequência. Usa muitos argumentos em favor do pão. O pão da eucaristia,o pão da vida, o pão nosso de cada dia e por aí vai. Por que então a pregação em torno do pão de cada dia, para todos, não recebe uma maior centralidade nas homilias e nas diferentes atividades institucionais? O mundo não receberia uma outra configuração, especialmente social, se houvesse esta maior ênfase sobre o pão. Esta escolha do nome de Francisco é profundamente simbólica e animadora para todos aqueles que aspiram por um mundo de maior justiça social. O Evangelho social de São Mateus certamente se fará mais presente.

Bem, mas vamos aos problemas. Vi parte da entrevista de Leonardo Boff, concedida ao Roda Vida, e vi material da BBC, sobre  o que se espera e quais sãos os grandes desafios deste papado. A BBC elencou quatro problemas de premente urgência. Enfrentar de vez a questão da pedofilia; dar mais visibilidade ou transparência às contas do Vaticano e descentralizar a sua administração; trazer para o debate as questões sociais, onde esta matéria envolvia as questões doutrinárias relativas a contracepção, às relações homo-afetivas, ao aborto e à eutanásia, à presença feminina na hierarquia, ao celibato e o trato com as outras confissões religiosas. Em quarto lugar é apontado o problema da constante queda do número de católicos. A análise de Boff foi mais global e interligada. Segundo ele, talvez o problema de maior urgência seria a relação doutrinária para com a sexualidade. Isto abrangeria praticamente todos os temas anteriores, especialmente a questão da sexualidade, envolvendo consequentemente a contracepção, a pedofilia e o celibato.

Boff citava a premente necessidade de ter no Brasil em torno de 120.000 padres (tem apenas 20.000). Por que eles não existem? Todo o debate do Roda Viva girou em torno do celibato, embora todo o esforço de Boff para discutir a sexualidade, em uma perspectiva mais ampla. Ver na sexualidade questões de afetividade e não meramente de pecado. Boff dizia que estes temas não poderiam ser discutidos pela igreja, sob o papado de bento XVI. Se bispos e cardeais os quisessem discutir, eram advertidos e aos teólogos era imposto o silêncio obsequioso. Disse também que Francisco necessariamente terá que se abrir para o debate desses temas e que não viu nenhuma declaração comprometedora, que apontasse em direção contrária à discussão desses temas, após a eleição papal de Francisco.
As belas basílicas de São Francisco, na cidade de Assis.

Os desafios são muitos. A parte capitalista da nossa cultura, como o consumismo, a competição e a acumulação impedem a realização da justiça social, da paz e da humanização. Mas combater estes valores, significa conflito e a igreja sempre foi muito acomodadora nesse sentido. São Francisco sofreu horrores para ser compreendido. Não deve ser mais fácil ser compreendido nos dias de hoje.

Uma outra ideia muito bonita que eu vi, se não me engano, no filme do Zeffirelli, Irmão Sol, Irmã Lua, foi pronunciada pelo papa da época Inocêncio III, de que não devemos focar tudo na ideia do pecado original, mas sim, numa inocência original. Que tal, se o mundo substituísse este conceito do pecado original? Eu gostei muito desta ideia da inocência original. Faz lembrar de Rousseau.

Também me passaram pela mente as imagens do filme Habemus Papam,no qual o papa eleito, após muito refletir sobre as suas responsabilidades, resolveu renunciar ou não assumir o pontificado, diante da enormidade dos problemas e do gigantismo da tarefa de dar direção à condução da igreja e na afirmação de doutrinas e crenças a servirem de guia para a humanidade e ter a aceitação quase plena desta mesma humanidade.

Que os gestos iniciais de Francisco, de humildade e simplicidade e a inspiração permanente de São Francisco, de seu amor aos pobres e as consequentes implicações deste gesto, o acompanhem ao longo de todo o seu pontificado. Creio ser este o desejo de todos os que esperam, e que ainda tem esperanças, de que tenhamos um mundo mais humano.

4 comentários:

  1. Muito bom, professor. Excelente como sempre. Vi uma matéria que o Papa recusou uma veste especial logo após a eleição e disse que "o carnaval acabou". Fica difícil imaginar uma instituição como a Igreja Católica sem a sua pompa medieval, mas ao que parece o novo Papa vem para quebrar velhos hábitos na instituição sagrada. Acredito que a esperança generalizada - amplamente presente na mídia - quanto ao novo Papa também diz respeito aos novos tempos, ao crescimento do ateísmo na Europa e a ineficiência e ineficácia de Bento XVI depois do papa carismático e midiático que foi João Paulo II. Que o Papa Francisco realmente seja a esperança daquela velha oração de São Franco de Assis: "Onde houver ódio, que eu leve o amor.
    Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
    Onde houver discórdia, que eu leve a união.
    Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
    Onde houver erro, que eu leve a verdade.
    Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
    Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
    Onde houver trevas, que eu leve a luz". Obrigado pelo texto :)

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  2. Obrigado Willian.Esta oração é realmente maravilhosa.

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  3. Aqui do São Francisco aguardava ansioso essa análise. Pelo visto, não sozinho :) Forte abraço, professor.

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  4. Obrigado Michel. Quanto tempo!. E que o espírito de francisco nos humanize!

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