segunda-feira, 22 de abril de 2013

Jorge Amado. Tenda dos Milagres.

Em post anterior, escrevemos que na literatura de Jorge Amado existem duas fases bem distintas: Na primeira ele se dedica à literatura regional, onde o cacau será o tema central e a segunda, quando se dedica à miscigenação e ao sincretismo religioso e cultural. No Brasil nada existe que seja puro, tudo foi misturado e isto é maravilhoso. Creio que esta afirmação sintetiza o esforço literário de Jorge nesta segunda fase. E é desta fase, o seu maravilhoso Tenda dos milagres, que, segundo o próprio autor, é o seu livro preferido.
Tenda dos milagres. O livro preferido do autor. A tese do livro pode ser assim resumida: "É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura".

 O livro é uma proclamação, em alto tom, de louvores ao povo brasileiro, fruto da miscigenação, da mistura de cores, de fusões e incorporações culturais e tudo isto tendendo para o maravilhoso e para o belo. O livro é um ato de amor ao novo que surge, usando uma expressão de Darcy Ribeiro, da ninguemdade. Estes ninguéns surgem a partir das fusões entre os três povos que aqui se encontraram. E assim, depois de misturados, o português não é mais português, o negro não é mais negro e o índio não é mais índio, para serem uma realidade absolutamente nova: o povo brasileiro."É mestiça a face do povo brasileiro e é mestiça a sua cultura", afirma Pedro Archanjo, o personagem em torno do qual o livro é construído.

É sabido que os personagens literários são melhores que os personagens reais. É tarefa fácil melhorar as qualidades boas e atenuar as más, quando da construção de um personagem. Pedro Archanjo é um personagem maravilhoso, sedutor e apaixonante. Ele é uma síntese de muitos baianos maravilhosos que andam pelas nossas ruas e, no caso específico, pelas ruas do Pelourinho e pelas suas adjacências. Pedro Archanjo é, acima de tudo, humano. Um personagem tipicamente brasileiro. Ele não enriquece, como a cultura dominante apresenta os personagens vitoriosos, de sucesso. Ele simplesmente exerce um fascínio enorme em meio ao seu povo. Ele, acima de tudo, vive em coerência consigo mesmo e recebe a admiração de todos pelas suas qualidades, profundamente humanas. Alto astral, alta auto-estima.
Jorge finalizando o livro, em Salvador , em 1969.

Sobre Pedro Archanjo existem no livro, notas sobre ele, que são simplesmente espetaculares. São encontradas entre as páginas 159 e 163. São notas dadas por um amigo pesquisador, por uma agência de publicidade, por uma professora e por um aluno de escola pública. Elas tem origem nas comemorações que são feitas, em torno de seu centenário de nascimento. Em suma, Pedro Archanjo é filho de um cabo que morreu na guera do Paraguai e de uma Noêmia de tal, a sua mãe. O personagem se cria em torno do Pelourinho, junto com um amigo, riscador de milagres, na ladeira do Tabuão, 60, onde se situa a Tenda dos Milagres, a sede da Universidade Popular do Pelourinho. Pedro Archanjo foi ojoubá no candomblé e bedel na Faculdade de Medicina da Bahia.

Quem conhece Salvador, facilmente consegue reconstruir o cenário em que se passa a história: as ladeiras do Pelourinho e acima a Faculdade de Medicina e a catedral e, um pouco mais adiante, o elevador Lacerda, que une a cidade alta com a cidade baixa. Os embates dos anos 1930 fornecem os componentes ideológicos, centrados no racismo. Afinal de contas, são os tempos da eugenia, do arianismo, tempos de Hitler. Estas teses são ardorosamente defendidas na Faculdade de Medicina, a glória da Bahia, especialmente nas cadeiras de medicina legal e de psiquiatria e que são um libelo condenatório da raça negra e, ainda mais, das raças que se misturam. "Negros e mestiços possuem natural tendência ao crime, agravada pelas práticas bárbaras do candomblé, das rodas de samba, da capoeira, escolas de criminalidade a aperfeiçoar quem já nascera assassino, ladrão canalha", eram algumas das lições ensinadas por alguns professores, capitaneados por Nilo Argolo. A polícia zelava contra "a exibição de tais costumes monstruoso acinte às famílias, achincalhe à cultura, à latinidade de que tanto se orgulhavam intelectuais, políticos, comerciantes, fazendeiros, a elite". Do outro lado estava Pedro Archanjo, bedel e ojoubá, os olhos de Xangô.
Mãe Menininha do Gantois. Jorge admirava e participava do candomblé, uma religião sem males, sem o pecado e sem a culpa. Um culto às alegrias a vida.

Pedro Archanjo morre em 1943 e recebe um dos maiores funerais de Salvador. Ele se torna personagem famoso a partir dos estudos do professor Levenson, da Universidade de Colúmbia e prêmio Nobel. Ele estuda os livros de Pedro Archanjo, sobre os costumes da Bahia. Quando estes estudos são descobertos vem os louvores, comemoração de centenário, promoções e concursos sobre o agora famoso escritor. Sobretudo, um esforço de higienização de sua obra, de purificação, isto é, de deturpação de sua obra.

Os embates entre Pedro Archanjo, o pequeno bedel e Nilo Argolo,o grande doutor, são notáveis e ocupam as páginas mais memoráveis do livro. E são muito importantes para o estudo da cultura brasileira, para a compreensão da mentalidade da elite brasileira e de seu caráter eminentemente antipopular. Também sobra para a imprensa baiana, sempre a apoiar as ideias da elite. Também é notável no livro, uma história paralela, uma história de amor, mas central para a defesa da tese do livro. A história de amor entre Tadeu, um filho do Pelourinho e da tenda dos milagres, com Lu, filha de aristocratas brancos e donos de infindas terras da Bahia. O casamento não terá consentimento da família branca, coisa que os netos consertarão. Tadeu fará carreira brilhante, com Paulo Frontin, na urbanização do Rio de Janeiro. É o sucesso da miscigenação.

O posfácio do livro é precioso. Coube ao professor de história da Universidade Federal da Bahia, João José Reis, fazê-lo. Ele nos dá dados sobre a criação dos personagens centrais, identificando-os com personagens reais. Se ler é contextualizar, o seu relato é de grande importância para um melhor entendimento da obra. Quanto à obra, não precisa dizer mais nada. Basta repetir que Jorge Amado considera este livro como a sua obra predileta e, junto com João José Reis, confirmamos a sua tese central: "identidade negra não interessa ao Brasil, interessa ao Brasil a identidade mestiça".

Mas sobre isso faremos um outro post. 

3 comentários:

  1. obrigadaa >< fiquei esperta

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  2. Pedro Archanjo e a universidade popular do Pelourinho! Seguramente este é um dos melhores livros da literatura brasileira. O preferido do próprio Jorge Amado, entre os seus livros. Boa leitura, Sanderson.

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