sexta-feira, 19 de abril de 2013

Terras do sem-fim. - Jorge Amado.

Eu vou contar uma história,
Uma história de espantar.
Eu já contei uma história, Uma história de espantar. Isto é "Terras do Sem Fim".

Estes versos aparecem praticamente no final do livro de Jorge Amado, Terras do sem-fim. Mas bem que poderiam estar no começo do romance, alertando desde cedo ao leitor, para o espanto que foi esta cultura no sul da Bahia, ao final do século XIX e no início do XX. Mas não foram só horrores. "Tudo é o cacau, meu filho... Nasce até bispo em pé de cacaueiro...até bispo...", conta Jorge, já ao final do livro.

Também, já ao final, um advogado se dirige a um dos coronéis do cacau: "É curioso como vocês podem fazer tanta desgraça e, apesar disso, serem homens bons". O romance é isso. Terras, cacau, coronéis e peões, jagunços, muitos jagunços, senhoras piedosas e fofoqueiras e prostitutas, muitas prostitutas e cabarés. Advogados chicaneiros e até um bispo. Em torno desses personagens se forma o romance. São cinco capítulos, que vem num crescendo. 

No primeiro, um navio sai da Bahia, como era chamada Salvador na época, em direção a Ilhéus. Aí se dá a ambientação dos principais personagens. No segundo capítulo se adentra a mata, para a sua derrubada e o plantio do cacau. Caxixes, tocaias e astuciamentos são agora os principais componentes, junto com os coronéis e os seus trambiques. Os coronéis Juca Badaró e Horácio mostram as suas ambições, sem limites, nestas terras do sem-fim. A luta entre estes dois coronéis, pelo comando político da região e pela posse das terras do Sequeiro Grande, as melhores terras para o plantio do cacau, formam ainda o segundo capítulo do livro. Também histórias de amor e, consequentemente, de sonhos vem num crescendo, já desde o início.O amor impossível entre o Dr. Virgílio e Ester, a menina educada e sonhadora, que casa com o bruto coronel Horácio, mas que vive ardendo em amores pelo e com o doutor, é de se imaginar, que não termine bem.

Na terceira parte, surgem as cidades. Onde antes havia apenas Ilhéus, agora o distrito de Tabocas se transforma na cidade de Itabuna. Vão surgindo também Ferraras, Baraúnas e o Sequeiro Grande. Nestas cidades o cotidiano se repete. Mulheres rezando e fofocando, os coronéis tramando e os advogados ardilando. Mas os mais rápidos são sempre os jagunços, preparando tocaias para as vítimas, estas, sempre indicadas pelos coronéis. As brigas se avolumam. Os comandos políticos estão para trocarem de mãos e a grande luta está anunciada para a quinta parte do livro, sem antes passar pelo mar, visto do cais, na quarta parte. O último capítulo é dedicado ao progresso. Ao progresso da região e a chegada da civilização junto com o cacau, que até bispo dá. A referência ao bispo é real, pois em 1913, a cidade de Ilhéus é elevada à condição de diocese. Esse é mais ou menos o desenlace da história. Mas a sua grande riqueza está na descrição dos personagens.

O livro é acompanhado de um breve, mas belo posfácio, escrito por Miguel Souza Tavares, que situa  e contextualiza magnificamente a obra. O neo-realismo como sendo a literatura da época, a militância de Jorge Amado no Partido Comunista, mas que consegue superar os limites que o neo-realismo impunha. Também fala do prazer que ele sentiu em ler Jorge Amado. Destaca, como sendo o maior mérito do livro, a caracterização que Jorge dá aos seus personagens. Ao Dr. Virgílio e a Ester e, especialmente aos coronéis Horácio e Juca Badaró.
Jorge Amado com a filha Paloma. Paloma nasceu em Praga em 1951, quando Jorge e Zélia estavam exilados no Castelo de Dobris.

O livro é ainda acompanhado por uma cronologia, que deve acompanhar todos os livros, na sua reedição, feita pela Companhia das Letras  em 2012, por ocasião do centenário de seu nascimento. Esta cronologia é antecedida de uma pequena nota também significativa. Transcrevo-a: 

"Terras do sem-fim e São Jorge dos Ilhéus têm praticamente uma unidade temática; é uma história única que se desenvolve sob dois ângulos, dois pontos de vista, dois tempos. Um tempo que é anterior ao craque da Bolsa de Nova York, em 1929, outro posterior, depois da revolução de 1930". A nota esclarece que esta informação foi dada pelo próprio Jorge, em entrevista à tradutora, Alice Raillard. A nota conclui com alguns dados do ciclo cacaueiro. Vou ler também o São Jorge dos Ilhéus. É um entrelaçamento entre literatura e história extraordinário.

Não deve ter sido muito difícil para Jorge escrever sobre o cacau, pois era filho de um de seus coronéis, de  Tabocas, depois transformada em Itabuna. Difíceis sempre foram as circunstâncias para que escrevesse. Sempre esteve limitado pela  militância política que o Partidão lhe impunha e, ordem do partido não se discutia, se cumpria e, pelas perseguições políticas que isto causava, tanto na ditadura Vargas, quanto nos horrores dos tempos da Guerra Fria. Terras do sem-fim foi escrita em Montevidéu, em 1942.Suas obras chegaram a ser queimadas, tanto em Salvador, quanto nos Estados Unidos, no período do Macartismo.

Terras sem-fim integra a primeira fase da escrita de Jorge Amado, os temas regionais, que ele viveu e dos quais ganhou gosto, especialmente, a partir da obra de Gilberto Freyre. Hoje mesmo vou começar a leitura de "Tenda dos Milagres", que marca um outro período de sua obra, dedicada a mestiçagem e ao sincretismo religioso.




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