segunda-feira, 29 de abril de 2013

Reflexões em torno do Primeiro de Maio.

O primeiro de maio foi consagrado como o dia do trabalhador, no  primeiro de maio de 1889, pela Segunda Internacional, um movimento de cúpula da organização internacional da classe trabalhadora. A Segunda Internacional  foi organizada após a dissolução da Primeira, pelo próprio Marx, em virtude de divergências insuperáveis entre os marxistas e os anarquistas. Da Segunda, os anarquistas já estavam excluídos. A Organização da Segunda Internacional ainda existe. Brizola sempre foi o grande representante brasileiro e o seu símbolo é a rosa, que está gravada no escudo do Partido Democrático Trabalhista, o PDT. A grande marca da Segunda Internacional foi o abandono gradativo da ortodoxia marxiana e uma aproximação com as doutrinas da Social Democracia.
Um dos mais valiosos presentes que ganhei em minha vida. São cartões postais comemorativos ao primeiro de maio. Ganhei esta obra de arte de trabalhadores alemães, quando com eles fiz cursos, em 1995.

Pois bem. O que levou a adoção da data do Primeiro de maio como o dia comemorativo do trabalhador, foram os incidentes ocorridos na cidade de Chicago, em 1886. As más condições de trabalho levaram os trabalhadores dos Estados Unidos à decretação de uma greve geral, no primeiro de  maio daquele ano. No dia 3 houve fortes movimentos de rua, que voltaram a ocorrer no dia 4. Nos confrontos do dia 4 morreram sete soldados, com a explosão de uma bomba. O revide policial deixou doze trabalhadores mortos e dezenas de feridos. Os líderes do movimento dos trabalhadores, após ritos sumários de julgamento, foram condenados. Cinco à forca e dois à prisão perpétua. Dos cinco condenados à morte, um se suicidou na prisão. Depois de executada a pena, a inocência destes trabalhadores foi comprovada.

A principal reivindicação trabalhista da época era a redução da jornada de trabalho, de treze horas diárias para 8 horas. Vendo esta reivindicação com os olhares de hoje, até imaginamos que isto não fosse possível. A organização dos trabalhadores crescera enormemente na segunda metade do século XIX, em função de dois motivos primordiais: o sofrimento imposto aos trabalhadores, pelos proprietários do capital e o avanço na compreensão deste sofrimento a eles imposto, com as análises teóricas sobre o funcionamento do capital e as conclamações revolucionárias de Karl Marx. "Proletarier aller Länder Vereinigt Euch! Eis a famosa frase final do maior manifesto revolucionário do mundo, de todos os tempos.

Festejos de maio - Leipzig - 1914. Vejam a referência às oito horas diárias de trabalho. 8-STUNDENTAG.

Os fatos ocorridos em Chicago nos mostram que o primeiro de maio é realmente um dia de comemoração, ou melhor de celebração, de homenagem, de culto e reconhecimento pela luta. Mas também de comemoração festiva, pois, a luta regada a sangue, germinou e frutificou. Em 1919, após os horrores da Primeira Guerra, uma guerra entre os potentados do Capital, por uma disposição do Tratado de Versalhes, concluído em 1919,  foi criada a Organização Internacional do Trabalho. Esta, ainda no ano de 1919, em outubro, realiza a primeira Conferência Anual da Organização do Trabalho, com a presença de quatro membros de cada país participante: dois representando o governo, um o capital e outro o trabalho. Os países membros se comprometiam a acatar as deliberações da Conferência. Houve a deliberação de seis convenções nesta Primeira Conferência e a primeira destas convenções foi a de "limitar as horas de trabalho na indústria a oito por dia e 48 por semana".

As outras cinco Convenções trataram do desemprego, da proteção à maternidade, do trabalho noturno das mulheres, da idade mínima para o trabalho e do trabalho noturno dos jovens. Estava inaugurada uma era de legislação trabalhista e de avanços nos chamados direitos sociais, possíveis em função dos direitos civis e políticos, já conquistados anteriormente. A Convenção foi ratificada por 52 países e os primeiros a ratificá-la foram a Grécia, a Índia, Myanmar (a então Birmânia), a Romênia e a Bulgária.
Possivelmente um dos primeiros cartões para o primeiro de maio. Viena 1890.

Não vou aqui entrar nos méritos do socialismo real, se seria ou não, a prometida ditadura do proletariado. E se foi, teria valido a pena, num balanço entre conquistas e os meios para se chegar a eles. Os avanços são geralmente reconhecidos, especialmente, em termos de emprego pleno, avanços na educação e saúde. Mas a perspectiva que se coloca no horizonte, é a do socialismo com democracia. Nos países capitalistas, as reformas patrocinadas pela social democracia tiveram a adesão de muitas organizações de trabalhadores e o exemplo maior é a adesão que a Segunda Internacional lhe deu. Dois nomes principais estão ligados à social democracia: John Maynard Keynes  e William Beveridge. A social democracia, no entanto, não alterou a lógica e os mecanismos de funcionamento do capital.

No Brasil, que tem em suas elites, as elites mais perversas do mundo (Vejam o trato com a abolição), as questões ligadas ao trabalho, e as demais questões sociais, sempre foram tratadas como questões policiais (República Velha - Ditadura militar). Apenas no governo Vargas, e olhem a ironia da história, em plena ditadura do Estado Novo se fixam as leis trabalhistas. A maior conquista brasileira está ligada à Consolidação das Leis Trabalhistas, que reuniu em uma só lei, as leis esparsas que já existiam. Vargas ficou consagrado, em função disto, como o Pai dos Pobres. Nem a ditadura militar ousou mexer com os direitos consagrados na CLT.

Um dos livros mais notáveis que eu tenho é o História da Cidadania, livro organizado por Jaime e Carla Bassanezi Pinski, da Contexto. Na parte referente aos Direitos Sociais, está a parte mais preciosa do livro. Um texto de Paul Singer, sobre "A Cidadania para todos". Este texto de 70 páginas, que sempre estava incluído em minhas aulas de Teoria Política, é uma das mais fabulosas sínteses sobre a evolução dos direitos sociais que eu já vi. É um olhar que começa com a industrialização na Inglaterra e que termina com um alerta preocupante, sobre o retrocesso no avanço destes direitos, a partir dos anos 80, iniciados com a falecida Tatcher, na Inglaterra e seguidos mundialmente com Reagan e Kohl e, que no Brasil, encontraram o seu auge, nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, que proclamava arrogantemente, que a sua missão maior, era acabar no país, com a memória de Vargas. A referência era relativa a flexibilização das leis trabalhistas, contidas na CLT. A palavra flexibilização é uma invenção semântica neoliberal tucana, que na verdade significava a extinção.
Neste livro está contida "A cidadania para todos", escrito por Paul Singer. É importante não esquecer a sua advertência sobre a incompatibilidade entre o neoliberalismo e os direitos sociais.

"O neoliberalismo é umbilicalmente contrário ao estado de bem-estar, porque seus valores individualistas são incompatíveis com a própria noção de direitos sociais", nos alerta Paul Singer. No Brasil, felizmente, o neoliberalismo foi caminho abandonado, ao menos parcialmente, com os governos Lula e Dilma. A renda dos trabalhadores, modestamente, tem aumentado, políticas públicas de inclusão e reparação social são instituídas e, mostramos ao mundo, como se faz crescimento econômico com distribuição de renda e inclusão social.

Antes de terminar, um alerta se torna necessidade urgente. Projetos políticos continuam em disputa. Os países com ideais socialistas e da social democracia tem conseguido taxas de crescimento econômico e de diminuição do desemprego, alcançando inclusive, taxas consideradas de emprego pleno e que vivem em relativa tranquilidade social, sem dizer com isso, que vivemos no paraíso. Longe disso. Reformas mais profundas precisam ser feitas. Mas os países que ainda teimam em aplicar a doutrina neoliberal, como os países europeus, estes estão amargando taxas negativas de crescimento, taxas de desemprego rondando a casa dos 20% e com agitações de rua e de repressão policial aos trabalhadores, quase diárias.

Que no primeiro de maio não esqueçamos a convocação de Marx "Proletarier Aller Länder - Vereinigt Euch", que reverenciemos os nossos mártires e que, comemoremos as conquistas sim, mas acima de tudo nos lembrando de que existem projetos políticos em disputa e enxergando, com todas as evidências, que o projeto neoliberal, incorporado no Brasil pelo PSDB e partidos adjacentes, em nada condizem com o interesse dos trabalhadores. Ah sim, só para não esquecer. O dia do trabalho, o labor day, nos Estados Unidos é comemorado na primeira segunda feira do mês de setembro. Que vergonha! Querem apagar o primeiro de maio de sua história.


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