quinta-feira, 18 de abril de 2013

Jorge Amado - Um baiano romântico e sensual.

Jorge Amado morreu em 6 de agosto de 2001. Zélia, a esposa, João, o filho e Paloma, a filha lhe rendem uma homenagem póstuma com o livro Jorge Amado - Um baiano romântico e sensual. São três depoimentos, verdadeiro tributos de amor da esposa e dos filhos. A morte fora lenta, Jorge se foi aos poucos A introdução é escrita pelo amigo da família Eduardo Portella, que define a vida de Jorge, como um sonho sempre sonhado, jamais alcançado e muito menos abandonado. Os três nos dão uma radiografia preciosa da vida do grande escritor.
Zélia, João Jorge e Paloma contam as histórias deste baiano formidável.

Para Zélia, na verdade, teria sobrado muito pouco a contar, pois, já contara quase tudo em seus livros de memórias. Mas ela faz relatos escritos com os sentimentos. Creio que nunca contou tão explicitamento o seu encontro com Jorge, em 1945, num Congresso de Escritores, no Teatro Municipal de São Paulo, conta ainda, muitas coisas do cotidiano da vida do casal. É interessante o encontro das mães, Angelina, a de Zélia e Lalu, a de Jorge. Dona Lalu defendia Jorge em qualquer circunstância e por ele comprava briga com toda a facilidade. Já Dona Angelina, muito humilde, sempre achava a filha despreparada para viver com um homem de tamanha importância. Tanto Jorge, quanto Zélia tinham saído de um casamento mal sucedido, quando ainda não se falava de divórcio e os preconceitos eram sem número, infindos.
Em 1945 o baiano romântico e sensual joga seu charme sobre Zélia. Discussões divertidas e eternas sobre quem tomou a iniciativa.

Zélia dá uma bela retrospectiva das andanças do casal. A eleição de Jorge como Constituinte por São Paulo, pelo Partido Comunista, a mudança para o Rio de Janeiro, a cassação da bancada do Partidão, o exílio, primeiro de Jorge e depois de Zélia, que não pode acompanhá-lo no primeiro momento por causa  do menino João. O primeiro exílio se dará em Paris, mas o clima da Guerra Fria os tira de Paris e seguem então para Praga, no Castelo de Dobris, onde formará um grande círculo de amigos intelectuais e receberá o Prêmio Stálin, por seus trabalhos em favor da paz. O prêmio lhe foi concedido em 1951.

Relata também a volta para o Brasil, o fim de sua militância no Partido Comunista, a mudança para Salvador, a compra da casa no Rio Vermelho com o dinheiro do imperialismo americano, pela tradução de Gabriela. Outro grande destaque é o grupo de amizades que se forma em torno da casa do Rio Vermelho. Zélia nos esclarece sobre curiosidades do que Jorge não sabia fazer, como cantar, dançar, dirigir, ligar TV e abrir uma latinha de cerveja. Conta ainda da compra do apartamento em Paris, agora com o dinheiro de Tieta, e sobre seus anos finais, já acometido por doenças. Revela o seu lema de escritor; e também de ser vivente: "escrever, para mim, é o mesmo que viver".

João Jorge escreve sobre fragmentos de verdade do capitão de longo curso, uma alusão ao Navegação de Cabotagem, escrito pelo pai. Conta que a maior herança recebida  foi a generosidade, a alegria de viver e a sapiência, marcas maiores de seu pai. Não faz um ufanismo da obra do pai, mas cita o episódio de um jornalista que tentou desmerecer sua obra, qualificando-o como o escritor de putas e de vagabundos, contrapondo a isso a qualificação recebida da imprensa francesa: "Le Zolá Brésilien". Conta do machismo do pai, ao lhe ensinar os primeiros versos:
Em 1948, Zélia junto com João Jorge, seguem atrás de Jorge, este já no exílio. Primeiro em Paris e depois em Praga.

Joãozinho pica d'Aço foi à caça
Que caçou? Que caçou?
Bucetinha, bucetinha
Pica d'Aço já caçou.

Mais tarde, os mesmos versos foram repetidos para Bruno, o primeiro neto seu, filho de João Jorge. Depois, nos conta, ele foi superando este e outros preconceitos herdados em sua formação. Mas João Jorge procura mostrar o lado brincalhão de Jorge, o seu gosto por contar e inventar histórias, de aprontar com os amigos, lhes pregando peças, como mandar ao aeroporto peças de arte duvidosas, já na hora do embarque e em nome do governador e assim por diante. Conta de seus hábitos, do gosto de estar com os amigos, das viagens e especialmente do culto às suas amizades. Também nos conta de seu gosto pelos animais, papagaios, cães e, especialmente, gatos.

Conta ainda de seu gosto por frequentar mercados populares, dos lugares turísticos não convencionais e do seu gosto por jogos. Talvez o mais interessante seja o seu relato sobre a herança política recebida, a herança de um comunista ortodoxo. Entre as lições desta herança estava a de demonizar todas as pessoas ricas e guardar silêncio no dia da morte de Stálin (uma espécie de sexta-feira santa comunista). Revela ainda as tendências futebolísticas do pai, que era torcedor do Ypiranga, na Bahia e do Bangu, no Rio de Janeiro.

Paloma fala do pai como o seu melhor amigo, e que o culto à amizade era a sua verdadeira religião. A amizade era o sal da vida. Conta que sempre teve com o pai um relacionamento de cumplicidade, de muita amizade, que também foi extensiva a todos os amigos de papai. Prezava muito a convivência com gente simples e por esta razão, a escola dos filhos, sempre foi a escola pública. Mas para os que rompiam com a amizade, ele tinha um cemitério particular, onde enterrava estas pessoas. Paloma diz que esta foi uma herança rapidamente incorporada.

Jorge e Paloma no Castelo de Dobris, nos arredores de Praga.

Mas o relato mais impressionante de Paloma foi o período final da vida do pai. Já enfraquecido por diversas doenças, foi se entristecendo. Como não podia mais escrever, também cessara a vontade de viver, pois para ele escrever e viver se confundiam. Paloma se cala sobre o ano de 2001. Os sofrimentos devem ter sido profundos. Apenas relata que viveram em limites extremos, tanto ele, quanto nós.

O livro é escrito com um sentimento profundo. Como Zélia gostava de Jorge e como tinha reciprocidade este amor e como era linda a sua forma de se relacionar com João e Paloma. Coisa de se invejar, com aquela inveja santa. Um livro que penetra na intimidade dos sentimentos e da subjetividade das pessoas. Fantástico. Recomendo demais. O livro está recheado de fotografias.


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