O quinto capítulo do vídeo começa com a apresentação de dados por Darcy Ribeiro e Chico Buarque. Darcy nos fala, que ao longo dos séculos XVI e XVII, a economia açucareira era a mais forte expressão econômica da época, equivalente à do petróleo nos dias dias de hoje. Toda ela foi construída em cima do regime escravagista e este mercado de escravos movimentou, em quatro séculos, mais de cem milhões de negros, dos quais doze milhões "foram trazidos" para o Brasil, dos quais a metade morreu e a outra metade foi "gasta" no processo, expressão usada por Darcy. Chico, agora comentarista e não leitor, como nos outros capítulos nos conta que a criatividade negra se tornou expressão dominante e que se expressa gloriosamente nas regiões para as quais os negros mais afluíram, como na Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Olha a beleza e a riqueza desta escrita. O quinto capítulo é dedicado a esta maravilha que foi e é o Brasil crioulo, fonte de tanta inspiração.
Da casa grande e da senzala, dos engenhos e das tecnologias, da fertilidade das terras e do conhecimento do açúcar pelos portugueses e com a escravidão negra se forjou a civilização canavieira. O senhor do engenho reinava absoluto. Era uma espécie de senhor feudal, todo poderoso, poder pleno. Para simbolizar este poder, Darcy conta a história de um senhor que comprou uma moleca, para os seus deleites e a sua senhora lhe mandou quebrar todos os dentes, para torná-la feia. Tudo se podia. Até poder religioso, o senhor feudal tinha, pois a igreja e a casa grande eram unidas. Na casa grande, toda a pompa e riqueza. Na senzala, um pombal negreiro, onde viviam encaixotados e empilhados e prontos para produzir a opulência do ciclo açucareiro.
A riqueza estava aqui. Ricos éramos nós. E a nossa riqueza era expressa não só pela economia, mas também pelas artes, pela pintura, pela música, pela poesia, pela escultura e pelo pensamento político. Nos Estados Unidos jamais se produziu uma cidade como Salvador e muito menos, como Ouro Preto. A opressão sobre o negro não cessou com a abolição, como seria de imaginar, pelo contrário iniciou-se um processo que os marginalizou, com mil processos de exclusão e de não qualificação para serem integrados a uma sociedade de classes. (Tenho trabalhos sobre a questão -Joaquim Nabuco, Florestan Fernandes -, que oportunamente publicarei). Mesmo após a abolição, a elite não pensou em formar uma Nação para os brasileiros. Continuaríamos sendo uma empresa para os outros. Um momento decisivo para o Brasil, mas desperdiçado. Deixamos de integrar pessoas ao mercado e criando problemas sociais.
Expressão da riqueza artística que acompanhou a economia açucareira.
Depois desta apresentação o vídeo passa a mostrar as raízes da cultura negra, a sua permanência, mesmo com toda a repressão, e a sua constante reinvenção e a sua presença nos dias de hoje, já como a cultura brasileira. A cultura negra manteve a sua força, mantendo-se paralela a cultura branca dominante. Faziam as suas festas, nos dias de festa dos brancos, quando os instrumentos de vigilância se afrouxavam nas senzalas. Quando as manifestações exteriores eram tolhidas, as cultivavam no espaço intangível da interioridade. Mãe Estela, o Babalaô Agenor Miranda da Rocha nos falam da herança, enquanto são mostradas cenas dos filmes de Nelson Pereira dos Santos (Rio Zona Norte) e de Jean Manzon (Uma Canção Brasileira). Mas não é só. Clementina de Jesus, canta e ensina a fazer feijoada, na recuperação de programas de televisão, com a sua participação.
Os destaques da herança são para o vocabulário, enriquecendo-o e lhe dando maior expressão linguística e mais beleza. Na música nos deram ritmos, o berimbau e a cuíca, enquanto regavam a nossa comida com o azeite de dendê e a tornavam "quente" com a pimenta malagueta, além de a enriquecerem com a banana e o quiabo. Acima de tudo deram o sabor ao nosso peixe e à nossa galinha. Se mostraram os verdadeiros donos da terra ao se apoderarem da cozinha. Mas acima de tudo nos legaram a sua herança cultural e espiritual.
A maravilha da moqueca baiana e, ... no Barravento, (chique!) junto ao Farol da Barra, onde a colonização começou. Pagamos pela paisagem, a comida foi de brinde. Estou com o amigo Sérgio Marson, presidente do N. S. da APP. de Umuarama.
A cultura baiana é essencialmente uma interação entre o ser humano e a natureza, manifesta pela espiritualidade. Fragmentos da natureza são as suas divindades. Iemanjá é a deusa do mar, Iansã a do vento, Xangô, o do fogo. A terra é o palco dos deuses e nela, os humanos pedem às divindades a saúde , a beleza, a fertilidade e a riqueza. Imaginem a cara do Darcy, contando sobre Iemanjá, uma mãe de deuses, que faz amor. Darcy usa uma palavra, que a minha herança cristã não permite dizer. Algo parecido com trepar! Conta Darcy, que depois dos gregos, nenhuma divindade nos é apresentada dessa forma. Isso é maravilhoso! O vídeo vai mostrando falas de Mãe Filhinha, e cantos de Luís Melodia e Chico Science (Manguetown). Este Brasil crioulo também nos legou três das nossas maiores festas: o candomblé, as festas de Iemanjá e acima de tudo o Carnaval.
Agora quem canta é Nelson Sargento - Encanto da Paisagem, cantando as mazelas do desajuste social. A seguir, quem canta é Clementina de Jesus - Sei lá, Mangueira. O vídeo encerra com Chico lembrando a amálgama da mão que supliciou e praticou a crueldade mais atroz, de gente insensível e brutal, com a doçura mais terna, para chegar a isso que é o povo brasileiro. Mãe Estela faz até um pedido pela elevação da alma desses algozes, lembrando que a repressão gerou uma maior força de permanência. Quem encerra mesmo, é Cartola - com O Sol Nascerá. A sorrir eu pretendo levar a vida. Tem que lembrar sempre o Darcy falando sobre - o que não teria sido este povo, se aqui tivesse havido um projeto de Nação e não o de uma empresa para os outros.
A sorrir eu pretendo levar a vida. A poesia e o canto não foram impedidos por um processo civilizatório dos mais cruéis e que provocou tantos desajustes sociais, com os quais ainda convivemos.
Tenho certeza de que cometerei injustiças ao lembrar um pouco deste mundo, não por maldade, mas por esquecimento. Mas como não imaginar nesta hora, toda a riqueza de um Gilberto Freyre, de um Jorge Amado, de um João Ubaldo Ribeiro. De um Nelson Pereira dos Santos e de um Glauber Rocha. De um Vinícius, Caymi, Caetano e Gil e de um Cartola, de um Nelson Sargento, de Clementina de Jesus, de um Chico Science e de um Luís Melodia, estes últimos, presentes no vídeo. É um mundo maravilhoso e voltado, apesar de todos os desajustes, para a alegria, como Darcy não cansa de falar.
Ontem (04.04.2013) fui assistir Siré Obá - A Festa do Rei, no Festival de Teatro de Curitiba. O grupo é de Alagoinhas, lá da Bahia. Um mergulho na cultura afro. Um turbilhão de emoções e uma maravilhosa elevação espiritual. Poucas vezes a minha mente ficou tão agitada. E viva o Jorge Amado, que com a sua briga política, inscreveu a liberdade religiosa em nossa Constituição, lá nos idos de 1946.
Os destaques da herança são para o vocabulário, enriquecendo-o e lhe dando maior expressão linguística e mais beleza. Na música nos deram ritmos, o berimbau e a cuíca, enquanto regavam a nossa comida com o azeite de dendê e a tornavam "quente" com a pimenta malagueta, além de a enriquecerem com a banana e o quiabo. Acima de tudo deram o sabor ao nosso peixe e à nossa galinha. Se mostraram os verdadeiros donos da terra ao se apoderarem da cozinha. Mas acima de tudo nos legaram a sua herança cultural e espiritual.
A maravilha da moqueca baiana e, ... no Barravento, (chique!) junto ao Farol da Barra, onde a colonização começou. Pagamos pela paisagem, a comida foi de brinde. Estou com o amigo Sérgio Marson, presidente do N. S. da APP. de Umuarama.
A cultura baiana é essencialmente uma interação entre o ser humano e a natureza, manifesta pela espiritualidade. Fragmentos da natureza são as suas divindades. Iemanjá é a deusa do mar, Iansã a do vento, Xangô, o do fogo. A terra é o palco dos deuses e nela, os humanos pedem às divindades a saúde , a beleza, a fertilidade e a riqueza. Imaginem a cara do Darcy, contando sobre Iemanjá, uma mãe de deuses, que faz amor. Darcy usa uma palavra, que a minha herança cristã não permite dizer. Algo parecido com trepar! Conta Darcy, que depois dos gregos, nenhuma divindade nos é apresentada dessa forma. Isso é maravilhoso! O vídeo vai mostrando falas de Mãe Filhinha, e cantos de Luís Melodia e Chico Science (Manguetown). Este Brasil crioulo também nos legou três das nossas maiores festas: o candomblé, as festas de Iemanjá e acima de tudo o Carnaval.
Agora quem canta é Nelson Sargento - Encanto da Paisagem, cantando as mazelas do desajuste social. A seguir, quem canta é Clementina de Jesus - Sei lá, Mangueira. O vídeo encerra com Chico lembrando a amálgama da mão que supliciou e praticou a crueldade mais atroz, de gente insensível e brutal, com a doçura mais terna, para chegar a isso que é o povo brasileiro. Mãe Estela faz até um pedido pela elevação da alma desses algozes, lembrando que a repressão gerou uma maior força de permanência. Quem encerra mesmo, é Cartola - com O Sol Nascerá. A sorrir eu pretendo levar a vida. Tem que lembrar sempre o Darcy falando sobre - o que não teria sido este povo, se aqui tivesse havido um projeto de Nação e não o de uma empresa para os outros.
A sorrir eu pretendo levar a vida. A poesia e o canto não foram impedidos por um processo civilizatório dos mais cruéis e que provocou tantos desajustes sociais, com os quais ainda convivemos.
Tenho certeza de que cometerei injustiças ao lembrar um pouco deste mundo, não por maldade, mas por esquecimento. Mas como não imaginar nesta hora, toda a riqueza de um Gilberto Freyre, de um Jorge Amado, de um João Ubaldo Ribeiro. De um Nelson Pereira dos Santos e de um Glauber Rocha. De um Vinícius, Caymi, Caetano e Gil e de um Cartola, de um Nelson Sargento, de Clementina de Jesus, de um Chico Science e de um Luís Melodia, estes últimos, presentes no vídeo. É um mundo maravilhoso e voltado, apesar de todos os desajustes, para a alegria, como Darcy não cansa de falar.
Ontem (04.04.2013) fui assistir Siré Obá - A Festa do Rei, no Festival de Teatro de Curitiba. O grupo é de Alagoinhas, lá da Bahia. Um mergulho na cultura afro. Um turbilhão de emoções e uma maravilhosa elevação espiritual. Poucas vezes a minha mente ficou tão agitada. E viva o Jorge Amado, que com a sua briga política, inscreveu a liberdade religiosa em nossa Constituição, lá nos idos de 1946.
Parabéns pelo artigo,tem me ajudado muito a concluir um trabalho sobre o livro !!!
ResponderExcluirQue bom que está ajudando. Antônio Cândido indica este livro como o melhor, para uma introdução geral ao Brasil. O livro é maravilhoso. Darcy teve com o povo brasileiro uma belíssima relação de amor.
ResponderExcluirprimeiramente boa tarde tive a honra de conhecer o darcy ele era meu tioavo
ExcluirUma das pessoas que mais amou o Brasil. É um orgulho pertencer a esta família.
ExcluirPedro,seus artigos são de excelente esclarecimento,pontua muito bem oque deve-se ressaltar nos textos e documentários de Darcy sem perder em momento algum a mensagem que o próprio quis transmitir.Parabéns,de muito tem me valido também suas postagens em trabalhos de classe em meu curso (sou guia de turismo). Excepcional!
ResponderExcluirOi Andreia. Você foi extremamente generosa em seu comentário. Meus agradecimentos. Como você é guia de turismo, tenho publicado sobre duas viagens à Europa. Em 2012 para a Grécia e Itália e em 2013 para Portugal, Espanha e Paris.
ResponderExcluirVoltando ao Darcy, que pena que o golpe de 1964 tenha liquidado com a sua ação política. Ainda bem que não com as suas ideias. Veja só essa declaração dele: "Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei construir uma universidade séria, não consegui. Mas meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem venceu".
Está me ajudando muito,muito obrigado mesmo :)
ResponderExcluirQue bom. Fico muito satisfeito em poder ser útil. Muito obrigado.
ResponderExcluirPedro, não sabe como me ajudou,com seu resumo, conseguiu tirar minha dúvidas que no próprio vídeo não conseguia compreender,me ajudou muito nos meus trabalhos sobre o vídeos,obrigada.
ResponderExcluirOi Larissa. Que bom que o post foi útil. Mas quero também fazer o convite para a leitura do Darcy Ribeiro. Muito obrigado pelo seu generoso comentário.
ResponderExcluirbelíssimo artigo!!
ResponderExcluirO meu melhor agradecimento pelo elogio.
ResponderExcluirAlguém pode me indicar algum livro ou filme que retrata o Brasil Crioulo?
ResponderExcluirO próprio texto faz algumas indicações. A obra de Lima Barreto é grande referência, especialmente seus textos mais autobiográficos. Recordações do escrivão Isaías Caminha e Clara dos Anjos.
ResponderExcluirmuito bom
ResponderExcluirCharles, muito obrigado pelo seu elogio.
ResponderExcluirmuito obrigada pela maravilhosa síntese
ResponderExcluirAgradeço o seu elogioso comentário.
ResponderExcluirO Barravento foi reformado e a orla da Barra reformulada - será bem-vindo pra atualizar esta visita.
ResponderExcluirE quanto ao(s) artigo(s), não tem nem o que comentar: de um excelente poder de síntese que não tira a coerência do que a produção e o próprio Darcy quis passar. Pelo contrário: cabe ainda análises suas, Pedro, que facilitam ainda mais o entendimento. Acompanhei cada vídeo com suas leituras. Parabéns e obrigado!
Hahahahaha e ainda acabei comentando.
Estou almejando comprar esta obra pra que possa se tornar uma referência pra mim. Forte abraço daqui de Salvador!
Compre sim, Henrique. Obra fundamental para compreender este país maravilhoso que teima em não ser grande, pela ação de seus políticos. Agradeço muito o seu generoso comentário e, com certeza, numa volta a Salvador o Barravento constará da agenda. Muito obrigado.
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