Duas questões para a abertura deste blog: Primeiro um pouco de mim, do meu perfil e depois um pouco sobre os objetivos deste blog.
Sobre o meu perfil, duas frases de Fellini, tiradas de uma extraordinária biografia, sobre a sua infância e sobre a sua formação: "Segundo minhas experiências, na escola como em casa, faziam de tudo para apagar a nossa peculiaridade" e "Passamos a segunda metade da vida apagando os estragos que a educação fez na primeira". Dou a referência: KEZICH, Túlio. Fellini - uma biografia. Porto Alegre: LPM. 1992.
Já bem antes do meio da minha vida, encontrei-me em crises profundas. Crises que provocaram redefinições em minha vida. Estas crises não me fizeram escrever nenhuma Divina Comédia e nem tomar qualquer tipo de remédio para amenizá-las, como se costuma fazer hoje em dia.
Nasci em Harmonia, então 3º distrito de Montenegro - RS., e hoje cidade e comecei os meus estudos em Bom Princípio. Não é dado a todos um início de biografia como essa: Harmonia e Bom Princípio.
O ambiente é rural. Os horizontes não alcançavam nem sequer Montenegro, a sede do município e muito menos Porto Alegre, distante apenas a 70 quilômetros. A imaginação não saía mesmo de Harmonia. Dogmas em vez de curiosidades. Verdades em vez de interrogações. Corpo e mente sofreram um processo de enrijecimento desde muito cedo. Todo o movimento é pornográfico.O alemão foi a primeira língua. O português veio com a escola.
Consta que Fellini, em sua infância em Rimini, queria ser cardeal. Os meus sonhos eram mais modestos. Queria apenas ser bispo. Os distritos de Montenegro eram celeiros de autoridades religiosas. O cardeal D. Vicente Scherer (Bom Princípio), D. Cláudio Hummes (Maratá ou Brochier) e D. Cláudio Colling (Harmonia). Este, por ser de Harmonia, quando sagrado bispo, deixou a sua marca na minha infância. Queria ter uma festa igual a sua, e a única forma de tê-la era também ser bispo. E lá se foi um menino de dez anos, apartado de sua família, para o seminário em Bom Princípio. Ia estudar para ser bispo.
A vida foi me empurrando. O passo seguinte foi Gravataí - tudo no Rio Grande do Sul - (ginásio e ensino médio). Muito latim e vida de santos e nehuma literatura. Depois Viamão, para um curso de filosofia religiosa e um curso de teologia.
A formação era para ser a de um cura de almas de uma das colônias alemãs ou italianas da região, o que não exigia uma grande formação. Essa formação provocou belas discussões entre Érico Veríssimo e o clero de porto Alegre. Mas é claro que essas discussões não nos alcançavam na época.
Ao final do terceiro ano de filosofia veio a primeira grande ruptura. Sair do seminário, para a infelicidade de meus pais (família sem um padre era uma família criminalizada. Não ia para o céu. Não tinha rezado que chega, apesar de, ao menos no caso dos meus pais, terem empregado para tal fim, todo o seu tempo livre.
Um ano em Porto Alegre para terminar o curso de filosofia. Meu primeiro emprego, e o ano de 1968. Um ano para ser gravado na memória. Um ano para ser esquecido.
As novas fronteiras do Brasil me levaram ao Paraná. Umuarama foi a cidade que me acolheu. Fiz dela o meu quase Deserto dos Tártaros. Ela me deu estabilidade profissional por meio de um concurso público para professor, casamento e filhos. E quarenta e três anos de vida passados em escolas e universidades. Escolas públicas do estado do Paraná e nas Universidade Paranaense de Umuarama e Positivo de Curitiba.
Alguns horizontes se alargaram, ou na pior da hipóteses, alguns dogmas foram substituídos, nem que fosse apenas por outros. As lutas - política e sindical - me levaram para Curitiba.
Guerras santas internas - no sindicato- a questão política já tinha ficado em segundo plano antes - me levaram de volta para a escola. São Paulo foi o meu destino. A PUC me recebeu em seu conceituado curso de mestrado em História e Filosofia da Educação.A esse curso se seguiram mais treze na Universidade, que no mínimo me permitiram formar meus filhos.
Em julho deste ano decidi definitivamente viver do estado previdenciário e para não ter dúvidas me dei um belo presente no encerramento dos 43 anos de vida de professor. Uma viagem para a Europa no mês de agosto e setembro, portanto em pleno período de aulas e, assim não ter nenhuma dúvida na postergação desta minha tomada de posição. Grécia e Itália foram o destino. Ir às origens do nosso processo civilizatório. As impressões desta viagem serão relatadas em meu blog.
Pronto. Este é o meu perfil. Ainda escreverei muito sobre esta caminhada. Tenho 67 anos e hoje posso em resumo dizer que tenho muito mais dúvidas do que certezas e muita vontade ainda de percrustar os caminhos do conhecimento e acima de tudo compartilhar as minhas leituras, músicas, filmes e outras experiências com os leitores deste blog.
Agora um pouco sobre os objetivos, sobre o porquê deste blog.
Relutei muito em abandonar a sala de aula. temendo as suas consequências, adiei o máximo a aposentadoria. Sempre afirmei que sentia a necessidade de me comunicar. Contar para alguém o que venho fazendo e especialmente compartilhar as minhas leituras e também me manter metodica e disciplinadamente em atividade.
Porém, e é com tristeza que afirmo isso, a sala de aula se tornou um lugar difícil. Sempre tive excelentes alunos, mas ultimamente senti uma grande indiferença com relação ao conhecimento, quanto à formação e para com a própria vida,questões que para mim são indissociáveis. O aprendizado é algo apaixonante e que não permite a indiferença. Philip Roth (A Marca Humana - Companhia das Letras. 2007) me consolou: "Não sou professor de ninguém. Essa coisa de ensinar, corrigir, aconselhar, testar, abrir a cabeça - disso já me aposentei".
Pus a imaginação em xercício. Se parar, o que fazer? Inúmeros planos surgiram. A maioria deles exigem parceiros. Oportunamente irei procurá-los. Todos estão ligados à formação. Mas um plano só dependia de mim. Montar o blog e, o que pretendo com ele? Acima de tudo encontrar o espaço para manter a comunicação e compartilhar as minhas experiências. Pretendo manter, mesmo com a aposentadoria, uma intensa vida cultural, e é esta a atividade que pretendo compartilhar. Comentar as leituras, os filmes, viagens e percepções de mundo. Cultura e política serão os temas dominantes. A política, não em seu rasteiro cotidiano em que o pragmatismo da governabilidade tudo permite e que não estranha mais nem mesmo ver elefantes voando, mas no seu mais elevado teor, na busca do avanço da inatingível perfeição exigida pelo conviver humano. A política é a ética do coletivo.
Fazer a crítica da organização da sociedade sob o guarda chuva protetor do Estado e ao mesmo tempo sob a sua ameaçadora forma de Leviatã. Em suma, criticar a política na era da dita pós-ideologia e da dita pós-política.
Algumas idéias me acompanham no meu atual estágio da vida. Citarei algumas, sem grandes análises, ao menos neste momento. Assim, os grandes ideais humanistas, expressos em cada avanço histórico alcançado em meio a um mundo de submissões, de imposições e de fundamentalismos. A noção de um guia a partir da racionalidade e da igualdade trouxe ao mundo a noção de democracia e da insubmissão, democracia pela qual e contra a qual se luta até hoje, ou especialmente nos dias de hoje (Tenho a minha frente, o artigo de hoje, - 1º de outubro - 2012 - o artigo de Paul Krugman, sob o título - Loucura da austeridade - sobre a crise européia e que bem nos dá a idéia da política nos dias de hoje, em que a racionalidade que buscava fins humanistas se transformou numa pura e fria racionalidade instrumental a serviço da acumulação).
Seguem os grandes ideais do iluminismo, da ilustração ou do esclarecimento, em torno da construção de uma visão racional de mundo e que tem num texto de Kant - O que é a ilustração (a Aufklärung), uma síntese maravilhosa. Sapere aude! Ouse saber.
Ousar saber é por interrogações em sua vida antes de aceitar respostas a perguntas que você nunca se fez. É não aceitar respostas pré estabelecidas, impostas por dogmas de "sua santidade" e de "sua mejestade", impostas pelo trono e pelo altar.
Me acompanha um texto de Paulo Freire, praticamente uma pequena introdução ao seu livro - Educação como prática da liberdade (Paz e Terra. 2000) - ou ao capítulo A sociedade brasileira em transição, onde ele faz uma caracterização do ser humano, como um ser sujeito - que pratica a ação e não como um ser objeto, que sofre a ação praticada pelo sujeito, obviamente, um outro sujeito. Um sujeito que transita ativamente, na construção do que ele - sujeito emancipado - realmente deseja.
Me acompanha o livro de Ray Bradbury - Fahrenheit 451, levado ao cinema por François Truffaut, que é um dos mais belos monumentos em favor do livro e especialmente das consequências da leitura. "O livro é uma arma", afirma constantemente Beatty, o chefe dos bombeiros refuncionalizados. Os livros são as armas da imaginação, do plural e do múltiplo e a sua queima seria a abertura para a construção do pensamento único, da uniformização do pensamento, tão em voga nesta era do pós-tudo. Por isso, ao longo de toda a história, esta loucura em torno da destruição dos livros. História Universal da Destruição dos Livros - Das tábuas dos sumérios à guerra do Iraque é um belo livro sobre o tema (Fernando Báez - Ediouro - 2006).
Outro livro que me acompanha é o Filosofia para não filósofos (Albert Jacquard. Campus.1998), um pequeno dicionário em que o autor, por meio de perguntas, ou melhor, de provocações trabalha uma única palavra de cada letra do alfabeto. A preciosidade do livro já está contida na primeira palavra analisada, sob a letra A e a palavra escolhida é alteridade, com a frase monumental "eu sou o vínculo que vou tecendo com os outros". Assim a alteridade, ou o outro, é o elemento fundamental da construção da própria individualidade. É o ponto da contraposição, da diferença, que gera a própria percepção da minha identidade. Quantas consequências...
Outra frase que também me acompanha está contida num pequeno livrinho de D. Hélder Câmara - O Deserto é Fértil (Civilização Brasileira. 1976). "Abrir-se às idéias, inclusive contrárias as próprias, demonstra fôlego de bom caminheiro. Feliz de quem entende e vive este pensamento: 'Se discordas de mim, tu me enriqueces'".
Enfim, a diferença, a discordância, o plural e o múltiplo é que soma e não o eco da minha própria voz, ou o do sempre igual.
Por último, e antes que isso vire um sermão ou um discurso, uma pequena historinha, muito simples, ingênua e romântica e com a qual abri muitos anos letivos: Conta-se que duas pessoas, caminhando em direções opostas e trazendo cada um pão, ao cruzarem trocaram o pão e cada uma seguiu caminhando com um pão. Em outra ocasião, novamente duas pessoas caminhando em direções opostas traziam agora uma idéia. E, ao se cruzarem trocaram a idéia e cada uma seguiu caminhando com duas idéias. A sua e a do outro.
O meu blog é um convite para caminhadas, cruzamentos, trocas, somas e multiplicações.
Preciso também fazer um registro, um agradecimento para a Suzi, por me ajudar a sair do meu praticamente analfabetismo tecnológico digital e pelas inúmeras trocas de idéias e incentivos para a abertura deste blog.
Relutei muito em abandonar a sala de aula. temendo as suas consequências, adiei o máximo a aposentadoria. Sempre afirmei que sentia a necessidade de me comunicar. Contar para alguém o que venho fazendo e especialmente compartilhar as minhas leituras e também me manter metodica e disciplinadamente em atividade.
Porém, e é com tristeza que afirmo isso, a sala de aula se tornou um lugar difícil. Sempre tive excelentes alunos, mas ultimamente senti uma grande indiferença com relação ao conhecimento, quanto à formação e para com a própria vida,questões que para mim são indissociáveis. O aprendizado é algo apaixonante e que não permite a indiferença. Philip Roth (A Marca Humana - Companhia das Letras. 2007) me consolou: "Não sou professor de ninguém. Essa coisa de ensinar, corrigir, aconselhar, testar, abrir a cabeça - disso já me aposentei".
Pus a imaginação em xercício. Se parar, o que fazer? Inúmeros planos surgiram. A maioria deles exigem parceiros. Oportunamente irei procurá-los. Todos estão ligados à formação. Mas um plano só dependia de mim. Montar o blog e, o que pretendo com ele? Acima de tudo encontrar o espaço para manter a comunicação e compartilhar as minhas experiências. Pretendo manter, mesmo com a aposentadoria, uma intensa vida cultural, e é esta a atividade que pretendo compartilhar. Comentar as leituras, os filmes, viagens e percepções de mundo. Cultura e política serão os temas dominantes. A política, não em seu rasteiro cotidiano em que o pragmatismo da governabilidade tudo permite e que não estranha mais nem mesmo ver elefantes voando, mas no seu mais elevado teor, na busca do avanço da inatingível perfeição exigida pelo conviver humano. A política é a ética do coletivo.
Fazer a crítica da organização da sociedade sob o guarda chuva protetor do Estado e ao mesmo tempo sob a sua ameaçadora forma de Leviatã. Em suma, criticar a política na era da dita pós-ideologia e da dita pós-política.
Algumas idéias me acompanham no meu atual estágio da vida. Citarei algumas, sem grandes análises, ao menos neste momento. Assim, os grandes ideais humanistas, expressos em cada avanço histórico alcançado em meio a um mundo de submissões, de imposições e de fundamentalismos. A noção de um guia a partir da racionalidade e da igualdade trouxe ao mundo a noção de democracia e da insubmissão, democracia pela qual e contra a qual se luta até hoje, ou especialmente nos dias de hoje (Tenho a minha frente, o artigo de hoje, - 1º de outubro - 2012 - o artigo de Paul Krugman, sob o título - Loucura da austeridade - sobre a crise européia e que bem nos dá a idéia da política nos dias de hoje, em que a racionalidade que buscava fins humanistas se transformou numa pura e fria racionalidade instrumental a serviço da acumulação).
Seguem os grandes ideais do iluminismo, da ilustração ou do esclarecimento, em torno da construção de uma visão racional de mundo e que tem num texto de Kant - O que é a ilustração (a Aufklärung), uma síntese maravilhosa. Sapere aude! Ouse saber.
Ousar saber é por interrogações em sua vida antes de aceitar respostas a perguntas que você nunca se fez. É não aceitar respostas pré estabelecidas, impostas por dogmas de "sua santidade" e de "sua mejestade", impostas pelo trono e pelo altar.
Me acompanha um texto de Paulo Freire, praticamente uma pequena introdução ao seu livro - Educação como prática da liberdade (Paz e Terra. 2000) - ou ao capítulo A sociedade brasileira em transição, onde ele faz uma caracterização do ser humano, como um ser sujeito - que pratica a ação e não como um ser objeto, que sofre a ação praticada pelo sujeito, obviamente, um outro sujeito. Um sujeito que transita ativamente, na construção do que ele - sujeito emancipado - realmente deseja.
Me acompanha o livro de Ray Bradbury - Fahrenheit 451, levado ao cinema por François Truffaut, que é um dos mais belos monumentos em favor do livro e especialmente das consequências da leitura. "O livro é uma arma", afirma constantemente Beatty, o chefe dos bombeiros refuncionalizados. Os livros são as armas da imaginação, do plural e do múltiplo e a sua queima seria a abertura para a construção do pensamento único, da uniformização do pensamento, tão em voga nesta era do pós-tudo. Por isso, ao longo de toda a história, esta loucura em torno da destruição dos livros. História Universal da Destruição dos Livros - Das tábuas dos sumérios à guerra do Iraque é um belo livro sobre o tema (Fernando Báez - Ediouro - 2006).
Outro livro que me acompanha é o Filosofia para não filósofos (Albert Jacquard. Campus.1998), um pequeno dicionário em que o autor, por meio de perguntas, ou melhor, de provocações trabalha uma única palavra de cada letra do alfabeto. A preciosidade do livro já está contida na primeira palavra analisada, sob a letra A e a palavra escolhida é alteridade, com a frase monumental "eu sou o vínculo que vou tecendo com os outros". Assim a alteridade, ou o outro, é o elemento fundamental da construção da própria individualidade. É o ponto da contraposição, da diferença, que gera a própria percepção da minha identidade. Quantas consequências...
Outra frase que também me acompanha está contida num pequeno livrinho de D. Hélder Câmara - O Deserto é Fértil (Civilização Brasileira. 1976). "Abrir-se às idéias, inclusive contrárias as próprias, demonstra fôlego de bom caminheiro. Feliz de quem entende e vive este pensamento: 'Se discordas de mim, tu me enriqueces'".
Enfim, a diferença, a discordância, o plural e o múltiplo é que soma e não o eco da minha própria voz, ou o do sempre igual.
Por último, e antes que isso vire um sermão ou um discurso, uma pequena historinha, muito simples, ingênua e romântica e com a qual abri muitos anos letivos: Conta-se que duas pessoas, caminhando em direções opostas e trazendo cada um pão, ao cruzarem trocaram o pão e cada uma seguiu caminhando com um pão. Em outra ocasião, novamente duas pessoas caminhando em direções opostas traziam agora uma idéia. E, ao se cruzarem trocaram a idéia e cada uma seguiu caminhando com duas idéias. A sua e a do outro.
O meu blog é um convite para caminhadas, cruzamentos, trocas, somas e multiplicações.
Preciso também fazer um registro, um agradecimento para a Suzi, por me ajudar a sair do meu praticamente analfabetismo tecnológico digital e pelas inúmeras trocas de idéias e incentivos para a abertura deste blog.