Chegou o dia. 16 de agosto. Não poderia haver erros, pois tudo estava interligado. Havia boas folgas nos horários. O embarque, em Curitiba seria as 11:13hs., com chegada em São Paulo as 12:15hs. O embarque para Madrid seria as 15:35hs. Como recomendado pelas companhias para os vôos internacionais, estava no aeroporto com três horas de antecedência. As filas eram enormes e não andavam, absolutamente anormais para o dia. Era a greve, a operação padrão da polícia federal. O que fazer? Não há o que fazer. E se atrasar? Se perder a conexão? O que fazer? Não há o que fazer.
Pensei sobre as greves. São um direito. Está lá na Constituição. Fiz greve antes que ela fosse um direito constitucional. Fiz todas as greves que a minha categoria determinou. Isso começou ainda nos anos 70, Muitos colegas tiveram que comparecer a interrogatórios, na própria polícia federal. Hoje é ela que faz greve. Aqueles tempos eram os tempos da ditadura militar.
O primeiro sentimento que se sente é o de raiva, diante da possibilidade que o teu sonho, depois de 43 anos de trabalho, não dê certo e que você nada pode fazer para que dê certo. E você começa a pensar sobre o direito de greve. É verdade que este direito ainda não tem uma legislação que o regule, a tal da legislação complementar da Constituição. Nada tenho contra a greve e nem poderia ser diferente. Mas, por outro lado, como está fácil fazer greve hoje em dia. Greves que duram quatro meses e as partes envolvidas não se acertam. No caso do governo, ele nem sequer sinaliza para negociações e nada acontece. Reconheço que os trabablhadores tiveram ganhos salariais, em suas datas base, após greves e isto melhorou um pouco a distribuição de renda, mas agora, o atingido por uma greve era eu. O que eu defendo é que haja uma agilidade na solução dos impasses e creio que, apesar de tudo, ao judiciário cabe essa tarefa e é preciso haver uma regulação, é preciso que haja lei. Em todo o caso o temor era terrível. Mas a gente não estava sozinho.
As conversas com quem estava na mesma situação, cada um expondo os seus temores, - uma médica cardiologista que estava com uma cirurgia para fazer em São Paulo, a família de uma ex aluna minha que também tinha uma conexão internacional a fazer e..., enfim estas conversas ajudaram a aliviar a tensão e a fazer o tempo passar.
Com uma hora e meia de atraso, finalmente embarcamos. O problema estava resolvido, o meu. O da médica não. Ela perdeu a cirurgia que tinha por fazer e certamente ela foi remarcada.
As preocupações, no entanto, não cessaram. Tinha ouvido nos noticiários que haveria uma grande movimentação da polícia federal, em Guarulhos, a partir das 16:00hs. Felizmente, chegando em Guarulhos, tudo transcorreu normalmente e, em tempo hábil o embarque estava feito. A operação efetivamente aconteceu, mas a partir das 16:00. Nós já estávamos nas alturas. O embarque fora as 15:30 hs. UFA. Onze horas nos separavam de Madrid, com um fuso horário de cinco horas. Nos forneceram os jornais do dia. O grande destaque de El Pais foi a medida adotada pelo primeiro ministro Rajoy, de prorrogar por mais tempo o auxílio para os desempregados no valor de 400,00 euros, que fora instituído em 2011, ainda no governo do PSOE. O jornal seguia com quatro páginas de opinião. O La Vanguardia também destacava a medida da prorrogação do auxílio dos 400,00 euros e também os incêndios florestais, em função das grandes secas, praticamente não chove no verão europeu. Na política internacional todo o destaque foi dado para a escolha do vice de Mit Romney, da direita radical. Impressionantes as páginas de cultura do jornal: Savater, Sizek, Bernanos, Bauman estavam presentes nestas páginas. Me chamou atenção ainda uma matéria sobre o turismo em Londres, durante a Olimpíada, que diminui em vez de aumentar e uma matéria sobre os ausentes do show de encerramento destas mesmas olimpíadas. Os temas relacionados com a crise européia nos acompanharam em toda a viagem.
Ainda me chamou a atenção no La Vanguardia, a propaganda do Boston Medical, a mesma dos jornais daqui, da cura da ejaculação precoce e outras questões sexuais. Seria um problema assim tão universal?...
No serviço de bordo, por incrível que pareça, uma garrafinha de vinho (170ml.) foi servida, com direito a repetição. Pela adrenalina, pelo fuso horário e em consequência dos serviços de bordo, não se dorme nesta viagem.
A bela autobiografia literária O Espírito da prosa do Cristóvão Tezza também me ajudou a passar algumas horas. Este tema de como as pessoas se formaram, quais os caminhos que percorreram, que leituras fizeram, quais e como foram tomadas as grandes decisões ao longo da vida é um tema que me atrai demais. Como são diferentes os caminhos que são percorridos. Comparações com a minha formação necessáriamente são feitas. Um dia escrevo sobre isso.
A chegada a Madrid se deu as 6:30 hs. da manhã. Pouca gente no aeroporto enorme e complicado para o navegador de primeira viagem. Ele tem duas alas. As letras do ticket iam te encaminhando até chegar a um trem/metrô, e aí vem a dúvida: eu não quero sair do aeroporto. Mas não é sair. É apenas chegar a outra ala.
Depois de muita esteira e elevador chegamos ao local de embarque para Roma. Mais uma viagem de 3:00 horas e finalmente estávamos em Roma. Aí os serviços de bordo já foram cobrados, e bem cobrados. O serviço do transfer foi impecável. O passaporte foi carimbado em Madrid e depois disso você não precisa mais apresentá-lo, uma vez que você está na União Européia. Nenhum tipo de problema, destes que assustam brasileiros, no aeroporto de Madrid. O carimbo no passaporte não durou um minuto sequer. Amanhã conto sobre Roma.