quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Paulo Freire - Umuarama 20 anos depois.


"Ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos".  Jean Claude Furquin, em Escola e Cultura. Porto Alegre: Artes Médicas.


Amanhã estarei em Umuarama para um trabalho junto aos companheiros da APP -Sindicato. Lá estaremos lançando a publicação de uma palestra feita por Paulo Freire em Umuarama em 1992. A fala é atualíssima. Fiz a transcrição dela e o núcleo sindical da APP. de Umuarama está fazendo a publicação. Um trabalho que considero de um valor extraordinário. É a recuperação de algo inédito deste grande pensador.
O caderno com a transcrição da fala de Paulo Freire.
Vou fazer uma rápida intervenção no lançamento desta publicação. Enfocarei alguns tópicos sobre o que é uma doutrina e a essência da doutrina pedagógica de Paulo Freire, sintetizada pelos títulos de suas obras fundamentais: Educação como Prática da Liberdade, Pedagogia do Oprimido, Conscientização e Pedagogia da Autonomia. Para chegar a sua concepção de educação Freire recebeu muitas influências, entre as quais eu destacaria a larga formação iluminista emancipatória, as influências de um humanismo cristão, vindas a ele - na minha interpretação - pela via da teologia da libertação, de João XXIII e do Concílio Vaticano II e também da doutrina marxista. Freire sempre destacava duas figuras que para ele eram revolucionárias. Jesus Cristo e, como ele dizia, o "camarada" Marx. Farei ainda uma pequena contextualização do Brasil da época, um país ainda predominantemente analfabeto. Necessariamente também farei algumas considerações sobre o seu método, acima de tudo, dialógico. Terminarei com aquilo que Paulo Freire dizia serem os deveres éticos de um professor: uma rigorosa formação científica; uma rigorosa formação política e uma rigorosa formação pedagógica.
Isso para que o educador saiba " com quem eu trabalho e em favor de quem eu trabalho e não para quem eu trabalho e nunca sobre quem eu trabalho" como ele afirmou na sua palestra em Umuarama.
Com diretores do Núcleo de Umuarama da APP-Sindicato.
A minha frase que serve de mote para essa apresentação é a acima exposta de Jean Claude Forquin, de que o educador deve ter concepções. Ele deve crer.

Hoje estou tomado de uma profunda indignação! Como de hábito, nos meus novos hábitos de quem vive apenas do estado previdenciário, após o meu café, sempre leio a edição impressa da Gazeta do Povo, de quem sou assinante há um longo tempo, quando me deparo com uma indignidade. Nesta fala de Paulo Freire em Umuarama ele também fala muito da capacidade que temos que ter, que é a de se indignar.
Na capa da Gazeta existe o chamado para o artigo de um de seus colunistas, junto com uma deseducativa foto de alguém com um cachimbo na boca. A chamada é enganosa mencionando, ser Paulo Freire o patrono da educação brasileira. Um artigo que lhe seria favorável, portanto. No texto da coluna, no entanto, ele fala da dissolução da educação brasileira, sólidamente  edificada sobre a filosofia grega e no personalismo judaico cristão e culpa Paulo Freire como sendo um dos culpados por essa dissolução. Termina com uma ignominiosa ofensa ao universalmente reconhecido educador: "Paulo Freire é o patrono da substituição do conhecimento por ideologia, de aprendizagem por lavagem cerebral" . Transcrevo isso apenas para situar o leitor. Com Millôr aprendi que "não se amplia a voz dos idiotas".
Conheci pessoalmente Paulo Freire. Com ele estive várias vezes. O homem é bondade pura e a encarnação viva da emancipação humana. A sua pedagogia é a busca permanente da construção do humano, na busca de sua transcendência, rumo a sua completude. O ser humano, na concepção de Freire, deve se afirmar como um sujeito (aquele que pratica a ação) e não como um objeto (aquele que sofre a ação praticada - por outro sujeito, obviamente), um sujeito ativo que se afirma na construção de seu tempo histórico e na construção de sua própria personalidade. É uma pedagogia de radicalidade da igualdade. Nunca..."sobre quem eu trabalho".
Quanto ódio está contido num texto desses! e a pergunta: em nome do que? Em nome da cultura grega ou judaica cristã? Não pode ser, uma vez que estes princípios são componentes essenciais de sua formação. Como falamos acima, a sua formação está enraizada no cristianismo da teologia da Libertação, de João XXIII e do Concílio Vaticano II e nunca num catolicismo de templários ou de cruzados. Seria em nome de um fundamentalismo religioso? Mas daí uma outra questão: Será que ele ainda cabe nesse mundo? Ou será que pessoas se sentem tão autosuficientes em seus dogmatismos que negam aos outros o seu direito de escolha e de manifestção. Isso faz parte da primeira leva de direitos que vieram junto com a ordem liberal. Os chamados direitos civis. Embora tudo deva ser feito para que não, não consigo entender como estas posições ainda mereçam tanto espaço.
A minha indignação tomou também uma forma concreta. Liguei imediatamente para a central de atendimento da Gazeta do Povo, cancelando a minha assinatura. Vou modificar meus hábitos. Sou plenamente a favor da liberdade de expressão e da imprensa, mas posso perfeitamente me negar a ajudar, ainda que minimamente na sua sustentação. Um jornal precisa de financiamento e de credibilidade. A minha ação está voltada para as duas. Um leitor (ter leitores é o que dá credibilidade a um jornal) e uma mensalidade (ao menos) a menos.

Deixo ainda uma sugestão de leitura daquilo que eu considero a coisa mais linda escrita por Paulo Freire. É a forma como age o sujeito, quando tomado ou tocado pela consciência. Uma meia dúzia de páginas apenas. Está numa espécie de introdução ao capítulo sobre a sociedade brasileira em transição do livro  Educação como Prática da Liberdade.  No livro que tenho em mãos, vai da pág. 47 a 54 (São Paulo: Paz e Terra. 2000).

Transcrevo também um texto de Walter Hugo Mãe, do  prefácio do livro José e Pilar de Miguel Gonçalves Mendes, para livres reflexões. É óbvio que ele fala de Saramago e não de Paulo Freire.
"A figura de José Saramago, certamente como toda e qualquer figura de dimensão mundial e grande gênio, suscitou constantemente arrufos, urticárias e brigas, havendo mesmo quem se negue a considerar o que fez, o que disse, o que se disse ou diz do seu trabalho e pessoa, o que se faz. Como creio que acontece com Miguel Gonçalves, também eu sou abordado frequentemente por pessoas que querem protestar contra as mais diversas questões relacionadas a Saramago. Desde logo a falta de pontuação e a desconfiança para com a Igreja são tópicos em que nos metem num mesmo saco, quase obrigatoriamente para um sova já obstinada e fanática. Sempre me fez confusão que as pessoas religiosas possam pedir o mal, e até a morte de alguém, e mais confusão me fez que, depois de publicado o último romance de Saramago, me viessem algumas pessoas deixar os mais cruéis recados. Se Deus existisse e agisse a mando daquelas vontades, Deus seria o diabo". Pág. 10-11.