quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Diário de uma Viagem. Bilbao, La Rioja e Santo Domingo da Calçada.

A cada dia, nesta viagem, você se depara com novidades. Agora mesmo, você não vai ouvir falar nem de romanos e nem de mouros, mas de uma população mais ou menos autóctone e com muita identidade cultural. Estou falando de Bilbao, na província de Vizcaya. Para começar, a cidade é bilíngue, assim como também o é, o seu sistema educacional. A região preserva a língua euskera, de tempos pré-romanos. O seu isolamento, por milhares de anos, se deve aos vales cercados de montanhas por todos os lados.
Museu Guggenheim, de arte moderna e contemporânea em Bilbao, do arquiteto Frank Gheri.

A cidade de mais de 350.000 habitantes e, em torno de um milhão, na região, conheceu forte desenvolvimento nos últimos anos. Há trinta anos vem ganhando os prêmios europeus de modelo em gestão e, ultimamente, também levou o prêmio por terem o melhor alcaide, o melhor prefeito. Os nossos administradores públicos poderiam vir aí para fazer algum estágio. A sua origem histórica está ligada ao porto, ao comércio de lã com os ingleses, à construção naval  e à siderurgia, em função das minas de ferro, abundantes na região. O aço produzido em Bilbao é conhecido como o melhor aço produzido em toda a Europa.  O desenvolvimento mais recente se deve a presença do museu Guggenheim, de arte moderna e contemporânea na cidade e a exposição internacional de 2004, que revolucionaram a cidade, dotando-a da mais moderna infraestrutura. Para isso, em muito contribuiu a canalização do rio Nérvion, com o que foram evitadas as suas enchentes. Também a presença de fortes grupos econômicos espanhóis alavancaram o desenvolvimento da cidade, como o complexo financeiro Bilbao-Vizcaya e o grupo energético Iberdrola.
Os hábitos culturais começam cedo. Crianças visitando o Museu de Belas Artes, em Bilbao.

A cidade respira cultura. Ela está repleta de obras de arte em metais, a riqueza econômica da cidade. Seus museus são renomados, destacando-se o de Belas Artes, que visitamos e o recentemente inaugurado Museu de Arte Moderna e Contemporânea Guggenheim, que atrai turistas até pela sua parte externa. O prédio foi projetado pelo arquiteto Frank Gheri. A sua forte identidade fez com que sofressem muito nos tempos da ditadura franquista, preocupada com a uniformização do país. A sua universidade, fundada pelos salesianos, é muito bem conceituada.

Lamentando deixar a cidade seguimos adiante, para uma atração imperdível. Não iríamos a Pamplona, cidade da qual estávamos nas próximidades e no auge dos festejos de São Firmino, mas para Briones, na província de La Rioja, visitar o museu Cultura do Vinho, da vinícola Vivanco. O museu é fantástico. Para terem uma pequena ideia de sua importância, basta dizer, que por ocasião de sua inauguração, o próprio rei espanhol, D. Juan de Bourbon se fez presente. La Rioja é a grande produtora de vinhos de qualidade na Espanha. A sua história está ligada às pragas que existiram nos vinhedos franceses, de Bordeux, que fez muitos destes produtores migrarem para se estabelecerem em La Rioja. A região é banhada pelas águas do rio Ebro, um dos mais importantes rios da Península, atravessando-a de norte a sul. Nasce na Cantábria e deságua no Mediterrâneo, em Valência. O seu percurso sofreu enormes transposições.
Uma obra de arte no Museu Cultura do Vinho.

Tivemos uma impressionante aula da cultura do vinho ao longo da visita. Quem, minimamente quiser entender de vinhos de qualidade, precisa se dar um tempo para estudar o significado dos diferentes tipos de controle de origem e qualidade  que estes vinhos recebem. Isto começa com o estudo do solo, sobre o tipo de uva adaptável para aquele solo, sobre a quantidade de cachos que podem ser deixados, passando pelo processo de produção e envelhecimento. É uma burocracia enorme, não sei se o termo é correto, a que os produtores tem que se submeter. A uva mais cultivada em La Rioja é a Tempranilho. A cantina visitada foi a Vivanco. Os produtores estão muito satisfeitos com os serviços ligados aos controles de origem e qualidade.
No museu tem de tudo. O processo de produção do vinho, o artesanato da fabricação dos tonéis de carvalho, a produção das rolhas a partir da casca do sobreiro, de quadros artísticos ligados a Baco e até uma impressionante coleção de sacarrolhas.
Entre os inúmeros sacarrolhas desta coleção, achei este bem interessante e prático.

Passamos também por um show de informações sobre sabores e odores do vinho e terminamos com o mais interessante, uma degustação. Na loja da vinícola, um vinho reserva era vendido a 13,00 euros.

Antes de chegar a Zaragoza, ainda tínhamos na agenda uma passagem por Santo Domingo da Calçada, um povoado de menos de dez mil habitantes. O que dá razão a sua existência é estar nos Caminhos de Santiago, num de seus importantes pontos de apoio. Outra coisa que chama a atenção é que na sua igreja são mantidos animais vivos. Esta tradição existe em função da história do galo, que não é só famosa em Barcelos e em Portugal, mas em toda a Península Ibérica.
A igreja de Santo Domingo da Calçada. Importante ponto de apoio no Caminho de Santiago

Como passei por Portugal sem contá-la, conto-a agora, de forma bem simples, mas com um acréscimo espanhol, relativo a beleza do rapaz e a feiura da velha. A história é a de que um belo jovem, ao se hospedar numa pousada, a encontrara lotada. A proprietária, que longe estava de ser bela, lhe falou que só havia vaga se dormisse ao lado dela, o que ele prontamente recusou. A proprietária o seguiu e lhe pôs no bolso umas moedas de prata e, depois o acusou, de tê-las roubado. O juiz o condenou à morte. Antes da execução o jovem jurara ao juiz a sua inocência e apresentou tanta certeza disso, que apresentou ao juiz o seguinte argumento. Como prova de minha inocência, quando o senhor estiver comendo um galo, ele se levantará vivo do prato. Isto de fato aconteceu e o juiz correu ao local onde o jovem estava sendo executado, ainda em tempo de salvá-lo. Esta é a história do famoso Galo de Barcelos e é um dos souvenir mais vendidos em Portugal. É este também o motivo pelo qual, em Santo Domingo da Calçada existem animais vivos na igreja.
Quem disse que só em Faro, em Portugal, tem docinho em forma de bichinho? Em Santo Domingo da Calçada também tem.

O galo é, além de um símbolo de fé, o é também de justiça. A viagem continuou até chegarmos em Zaragoza, a Cesar Augusta romana, onde começaríamos a maratona do dia seguinte, já no rumo de Barcelona. Isso eu conto amanhã.
  

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