terça-feira, 12 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 20. Visão do paraíso. Sérgio Buarque de Holanda.

 Este é o vigésimo trabalho do presente projeto. Hoje começamos as resenhos do volume II.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha de Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna da Universidade Federal Fluminense, do livro Visão do paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banque no trópico, volume II, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 25 a 42. Creio ser fácil imaginar o conteúdo do livro. O imaginário que impulsionou as navegações marítimas e os descobrimentos. O livro é de 1959 e é considerado como um dos mais eruditos em toda a nossa literatura.

A primeira resenha do volume II.

O título completo do livro é Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Por este trabalho Sérgio Buarque de Holanda ingressou na USP como professor de História da Civilização Brasileira. É uma história de representações mentais. O livro ficou mais conhecido apenas dez anos depois, em 1969, "no ano fúnebre de nossa história", segundo o resenhista. É um livro pioneiro na história das mentalidades, mas que recebeu mais influências alemãs do que francesas. O autor esteve na Alemanha entre os anos de 1929 a 1935. O livro, segundo o autor é a "biografia de uma ideia".

Sob o título "Paraíso terreal versus realismo pedestre", o resenhista nos apresenta o livro e compara as imagens construídas por portugueses e espanhóis sobre a América. Vejamos o resenhista: "Do lado espanhol, predomínio de visões edenizadoras, recuperação e recriação das imagens paradisíacas produzidas no ocidente havia séculos; do lado português, predomínio de visões pragmáticas, pouco afeitas ao ideário edenizador e, de resto, aos elementos maravilhosos que caracterizavam o imaginário ocidental na época das descobertas". Os portugueses já estavam há mais tempo na estrada, enquanto que os espanhóis ainda fantasiavam. Vainfas apresenta também a tese do livro que segundo o próprio autor é: "O gosto da maravilha e do mistério, quase
inseparável da literatura de viagens na era dos grandes descobrimentos, ocupa espaço singularmente reduzido nos escritos quinhentistas portugueses sobre o Novo Mundo".

Os portugueses, calejados com as viagens ao oriente, mais cedo caíram no mundo real. Nada mais os impressionava tanto. O oriente sim. Este os fascinara e, agora, os financiava. A familiaridade os levara à indiferença, com algumas exceções. Prevalecia um espírito pragmático. Nem mesmo Caminha, na carta do descobrimento, mostrava surpresas: "dar-se-á nela tudo". A perspectiva não era edênica. Era de trabalho, de colonização. O próximo passo do autor será o de mostrar as "as maravilhas do Novo Mundo, o locus do Éden", mais afeitas, como vimos, aos espanhóis do que aos portugueses. Começa pelas expressões usadas por Colombo: "outro mundo", "sítio abençoado onde viveram nossos primeiros pais". Colombo pensava estar próximo ao paraíso terreal, no oriente. O maior propagandista dessa visão foi León Pinelo com El paraiso en el Nuevo Mundo.

Rios bíblicos como o Tigre e Eufrates eram confundidos com o Madalena e Orenoco, senão com o Amazonas e o Prata. Também imaginavam ou confundiam árvores ou frutas paradisíacas, não a macieira mas o maracujá ou a granadilha, um tipo de maracujá. Também imaginavam locais para o dilúvio. Essas visões eram inseparáveis do mito das amazonas, do Horto das Hespérides (morada das ninfas), do jardim das delícias, do Eldorado e da Juventa. Também havia outras figuras, pois, a Bíblia havia sido contaminada com as figuras mitológicas da cultura grega. Apesar de tantas frustrações, o lendário nunca desapareceu. O real e o imaginário, o antigo e o moderno sempre continuaram sendo confundidos.

O autor também nos apresenta uma contribuição tipicamente luso-brasileira, a história de Sumé, propagada pelos jesuítas, pela qual São Tomé (Sumé) havia pregado no Brasil. Isso integrou a cultura tupinambá. Enquanto Sumé se enfraqueceu no Brasil, ele continuou forte no Peru e no Paraguai. O autor também traz um importante fator de interligação entre a salvação espiritual e a riqueza material, uma aproximação entre a salvação espiritual e o enriquecimento material. Facilitava a colonização. Essa possibilidade de enriquecimento gerou mobilizações e expedições de conquista territorial. O imaginário sempre se incendiava mais à medida que ouro e pedras preciosas apareciam no horizonte. Houve a "canonização da ganância" e a mescla da "Religião do Cristo e o culto do Bezerro de Ouro". Aqui, como o ouro foi uma descoberta tardia, mais uma vez predominou o espírito pragmático e pedestre sobre o imaginário.

A parte final da resenha tem um belo título, muito real. "Paraíso ausente". Esse paraíso ausente é uma referência aos interesses imediatos dos colonizadores portugueses. Tudo sucumbiu a esses interesses. Tudo se resumiu a uma colonização predatória. "Os lusitanos não viram no Brasil senão uma vasta área de exploração", concluiu. Vejamos ainda o parágrafo final do resenhista: "Mas nada disso fez surgir, segundo Sérgio Buarque, uma visão do Brasil paradisíaco. E é por metáfora de uma colonização genuinamente predatória que o autor conclui o livro dizendo que, sim, 'teremos nossos eldorados. Os das minas, certamente, mas ainda o do açúcar, o do tabaco, de tantos gêneros agrícolas que se tiram da terra fértil, enquanto fértil, como o ouro se extrai, até esgotar-se do cascalho, sem retribuição de benefícios'". Que triste conclusão - real e atual. 

A coleção "Grandes nomes do pensamento brasileiro", da Folha de S.Paulo, comemorativa aos 500 anos do "descobrimento" também tem entre seus livros Visão do paraíso. Ao final tem um guia de leitura, de autoria de Antônio Arnoni Prado. Dele destaco o parágrafo final: "É para esse mundo de eterna primavera, em que 'se plantando tudo dá', que Visão do paraíso atrai o leitor sem no entanto deixar de mostrar-lhe uma contradição fundamental de nossas origens. A contradição de que, mesmo sob o imaginário dos motivos edênicos que produziram o brilho mágico da nossa grandeza, nós nos conduzimos de fato - no dizer de Caio Prado Jr. citado por Sérgio Buarque à página 402 - foi 'para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão; e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto'". Aí eu preciso concluir. E hoje? Os produtos do agronegócio. Deixo ainda a resenha do trabalho anterior, do livro A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-19-revolucao.html

2 comentários:

  1. Muito interessante professor! Uma face desconhecida e curiosa da nossa história! - Parabéns!

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    1. A força do imaginário. Sempre em busca de novos horizontes e possibilidades. Agradeço a sua manifestação.

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